Panelas de pressão

Não são as famílias que estão em crise, são as pessoas, Nem as famílias, nem os casamentos, mas cada um de nós, que perdemos o sentido e andamos na vida com um GPS que vai perdendo a ligação a cada meia dúzia de quilómetros.

As famílias são cada vez mais panelas de pressão. Os dias começam e acabam numa luta contra o tempo, onde o foco está em alcançar objetivos, cumprir obrigações e estabelecer metas. Esquecemo-nos de viver uns com os outros, de conversar, de partilhar silêncios. Pressionamos os nossos filhos até ao limite do aceitável. O que interessa são as tarefas, as agendas por cumprir, o que deve ser feito. Gerimos a vida dos nossos filhos como se fossemos gestores, diretores de recursos humanos. Estabelecemos métodos, apontamos objetivos e exigimos resultados. Só nos faltam as análises SWOT. A família é cada vez mais uma realidade funcional. E não uma realidade só porque sim. Porque existe, que está sempre a mudar porque as pessoas mudam e adaptam-se e crescem. Sem controlo, sem aviso, de improviso. Não damos espaço ao acaso e, quando ele chega, explodimos.

Não há tempo para tantas coisas. E deve ser porque o tempo não existe para estas coisas todas que achamos que devemos fazer. Acaba uma época de testes e começa toda. No meio, os trabalhos, o reforço de estudo, as explicações. De seguida vêm os exames, os campeonatos das atividades desportivas, as festas de anos, os presentes que se têm de comprar, os livros que eles devem ler, as horas livres que são deixadas ao acaso dos videojogos e dos telemóveis. Ir à rua, passear, correr, jogar à bola, são programas pensados, planeados como se de um luxo se tratasse. Vou ali e já venho, é quase absurdo. Onde, com quem, como? Ninguém vai ali e já vem. Tem de haver um propósito, tem de ser planeado. O tempo já não serve para isso. Nem para isso, nem para fazer nada.

Os miúdos têm de ler não sei quantas palavras por minuto, têm de entrar na universidade aos 18 anos ou correm risco de indigência e devem ter amigos – muitos e populares. Também têm de ter a roupa de marca que exigem, os ténis da moda, os telemóveis que os amigos têm. Não podem ter borbulhas, fungar, dores de crescimento. Não podem chorar, ter medo do escuro, magoarem-se, serem caixa-de-óculos por um dia. Não temos disponibilidade para incómodos destes. Nem nós, nem eles.

Entretanto, os pais definham. Tentam chegar a tudo e a cada dia que passa percebem que esse tudo é inalcançável. Entre o trabalho e o trabalho que a casa e a família exigem, sobra quase nada. Não sobra tempo, energia, animo ou dinheiro. Porque o dinheiro nunca chega para tudo o que todos querem. E pressionam. A eles próprios e aos filhos. Querem resultados equivalentes ao esforço que todos os dias os faz levantar da cama.

Não são as famílias que estão em crise, são as pessoas, diziam-me há uns dias. Nem as famílias, nem os casamentos, mas cada um de nós, que perdemos o sentido e andamos na vida como um GPS que vai perdendo a ligação a cada meia dúzia de quilómetros. Habituámo-nos depressa demais a não perguntar o caminho a ninguém, a achar que conseguimos chegar ao destino sem ajuda e a marcar como destino lugares idílicos e inalcançáveis.

Não, ninguém tem filhos perfeitos, também não existem pais perfeitos, a educação é um trabalho sem fim com resultados difíceis de aferir, a felicidade é um conceito vago e o sucesso – seja ele qual for – não é sinónimo de felicidade.

Precisamos de voltar a viver em paz. Com urgência.