Muito se tem falado nestas recentes semanas num aparente crescimento e recrudescimento da insegurança em Portugal, pondo em crise, ou pelo menos agitando marés há muito adormecidas por um marasmo de acalmia. Mas quais foram as razões deste ressurgimento se objetivamente o crime, tendo subido, quer no plano global, quer nos segmentos mais críticos da criminalidade violenta e grave, não subiu assim tanto? A resposta parece-nos óbvia, como já antes o dissemos, é que o sentimento de insegurança transcende, em muito, o próprio crime, isto porque nos movimentamos, como há mais de 30 anos Sebastien Roché afirmava, no campo das impressões, das sensações, das perceções, como acontece em muitos outros domínios. Mas aqui o problema ganha contornos bem diferenciados, é que os danos que brotam da sedimentação desta ideia de insegurança, umbilicalmente associada ao risco, é intrinsecamente danosa para o bem-estar das populações, com consequentes impactos sociais, designadamente, e isso já foi alvo de amplos e profusos estudos, da guetização consequente de determinadas zonas, locais ou áreas, tudo por as catalogarmos de perigosas. É isso que tem sido feito, por exemplo, mais recentemente, com a zona da Mouraria em Lisboa, ou Ramalde no Porto, estamos a carimbá-las com um selo que é, no plano do labbeling criminal, de um hotspot criminal, afastando, como está bem de ver, as pessoas, os turistas e os investidores.
Será que é assim que se deve encarar o problema? Não estou com isto a dizer que o problema não existe, ou que os Senhores Autarcas não têm razões para estar preocupados, mas será que devemos abordá-lo de forma tão leviana? Penso que não. Com todo respeito que tenho pelo Presidente Moedas, não se pode dizer que se está preocupado, mas depois querer que as pessoas não se sintam preocupadas. Acreditando que não tenha sido esse o ensejo, mas é inevitável o efeito que estas palavras, vindo do órgão executivo mais importante do concelho, terá sobre as pessoas, é alimentar e dissipar [ainda mais] o sentimento que se quer ver expurgado, e muito menos utilizar este tema como arma de arremesso político, condenando quem o faz, e trabalhando com quem verdadeiramente conhece e pode ajudar à arregimentar soluções. A purga não é fácil, o remédio é falível, e não se faz apenas através de rogos por mais e mais polícias, da PSP e [para] a Polícia Municipal. Já veremos porquê.
- Desde logo porque, insistimos, as Forças de Segurança em geral, e a PSP em particular, deixaram de ser vistas como carreiras atrativas fruto de anos de depreciação da sua dignidade, profissional e salarial;
- A PSP sofre hoje uma crise tremenda no recrutamento de novos quadros, na retenção dos que tem, e pior, envelhece a cada ano que passa com o bloqueio forçado da passagem de Polícias com mais de 55 anos de idade à desejada e merecida pré-aposentação;
- Os centros urbanos não param de ganhar dimensão populacional [residente], sem esquecer a flutuante que [felizmente] não para de crescer graças à popularidade de Portugal no mundo como país com um pecúlio histórico, cultural e paisagístico tremendo, mas, acima de tudo, pacífico e seguro, mas que é gerador de uma exigência maior tendo em conta o maior risco de conflitualidade e delinquência;
- As Polícias Municipais têm competências subsidiárias no plano da segurança pública, não querendo com isto dizer que não possam ser fundamentais num plano de complementaridade ao esteio da segurança pública diretamente promovido pelas Forças de Segurança, desde logo permitindo a estas últimas, libertar-se de tarefas e missões que são próprias de uma polícia administrativa, podendo e devendo ser assumidas pelas primeiras tendo em conta que empenham as segundas milhares de horas anuais que seriam preciosas para a tão almejada visibilidade, proatividade e eficácia na resposta ao crime e outros quadros urgentes. Falamos por exemplo da gestão de acidentes, de resposta a ocorrências de ruído em excesso e aberturas de porta que ocorrem diariamente às dezenas nas grandes áreas metropolitanas, ocupando recursos da PSP. Isto não significa que não se exija uma forte bilateralidade por parte de ambas no sentido de promover esforços orientados e otimizados para zonas urbanamente mais inseguras, reforçando-se a proximidade comunitária. A atribuição de competências de Polícia Criminal às Polícias Municipais só iria, como acontece em Itália, gerar ainda mais entropia, dissipando mais gravemente os poucos recursos que temos hoje;
- Sem mudanças de fundo, a deslocalização de recursos da PSP para a cidade de Lisboa iria afetar profundamente a capacidade de resposta, já de si diminuída, da PSP nos concelhos limítrofes à cidade de Lisboa, alguns deles com uma densidade populacional maior que esta como Loures, Amadora e Sintra, e com problemas semelhantes, ou até mais graves, que os que têm lugar, à data de hoje, na capital.
O que há então a fazer?
- Há que trabalhar ainda mais no alargamento do espaço habitacional para receber e alojar os Polícias que vêm trabalhar para Lisboa, trabalho que tem vindo a ser energeticamente perseguido por parte do Ministério com forte contributo das Câmaras Municipais da área metropolitana de Lisboa, em especial a de Lisboa, algo que merece o nosso profundo aplauso;
- Há que aceitar que a proliferação de esquadras nas áreas metropolitanas só agrava ainda mais a capacidade de resposta das Polícias, cada vez mais diminuída, sendo importante fazer o caminho contrário, de concentração como alavanca para a projeção de recursos no terreno, seguindo exemplos de países vários no eixo europeu. Lembro mais uma vez como exemplo paradigmático que a área metropolitana de Madrid tem menos de metade das esquadras que a área metropolitana de Lisboa tem hoje, tendo o dobro do território e o dobro de população. Compreendendo a previdência do Presidente Moedas em não querer apoiar o fecho de esquadras, pelo simbolismo e efeito subjetivo que elas projetam no território, há que de uma vez por todas perceber que elas são masmorras de recursos, recursos que seriam essenciais para assegurar maior mobilidade, maior proximidade e melhor resposta. Não há que ter receio, há que vincular o Estado Central quanto ao retorno expectável que se terá perante a adoção destas medidas, designadamente o aumento de Polícias nas ruas de Lisboa e não só;
- Há que, não só em conjunto com a PSP, mas com todos os sectores e entidades que têm um papel essencial na edificação de um ambiente urbano mais saudável, sinalizar e melhorar os níveis de resposta que, a jusante, robustecem a sensação de segurança nos locais e afastam o medo terrifico que vai minando a cabeça das pessoas. Falamos, entre outras, na rápida resposta que deve ter lugar em ambientes degradados, com melhorias e.g. na reabilitação urbana, na iluminação, nos acessos, na própria gestão e licenciamento de espaços comerciais e de restauração, na recolha do lixo, entre outras;
- Há que dar maior agilidade à implementação de sistemas de CCTV, de alarmística, de nanotecnologia e outros, não só porque são importantes a dissuadir, mas porque permitem encurtar tremendamente os tempos de resposta e, em paralelo, melhorar substancialmente a exploração e investigação subsequentes dos crimes. Não se percebe, e ainda ontem vinha mais uma notícia, da morosidade aguda e terceiro mundista, que um processo de instalação de uma rede de câmaras públicas demora tendo em conta o escopo de aplicação e a entidade que o manuseia, a Polícia.
Onde está a solução? Certamente entre um estado policializado ou securitário, onde as liberdades são excessivamente comprimidas para que possamos viver, em segurança é certo, mas encapsulados em vasilhames herméticos e robotizados, e entre um estado laxista que se demite totalmente de prover, como é o seu dever, o espaço de segurança das suas pessoas, dando lugar ao risco e à ausência de controlo. A segurança é um bem demasiado precioso para que o possamos arremessar como David arremessou a pedra contra Golias. Corremos o risco de o gigante cair e a sociedade ruir.
Veja-se bem os mais recentes acontecimentos no Reino Unido com uma disseminação atroz de manifestações, confrontações e tensão social. Não é isso que queremos que aconteça em Portugal.
Para evitarmos isso é primordial, desde já, criar condições para que a Polícia tenha mais e melhores Polícias, mas nas ruas, onde eles são guardiões, procurando, sem descanso, o descanso para todos Nós, mesmo que não estejam à nossa porta, mas ao virar da esquina.