Arnold que passou a Alfréd – chamou-se a si próprio marinheiro

Alfréd Hajós foi o primeiro medalhado olímpico da Hungria e jogou na primeira seleção de futebol.

Arnold Guttmann e Alfréd Hajós eram a mesma e única pessoa. Explicando melhor: Alfréd nasceu Arnold. No dia 1 de fevereiro de 1878, em Budapeste. Quando morreu, a 12 de novembro de 1955 já o enterraram como Alfréd e não como Arnold. Confuso? Ora! Só se quiserem arranjar confusão num fulano que mudou de nome. Filho querido de uma família judia, foi protegido como todos os meninos de sua mãe. Aos 13 anos apaixonou-se pela água. E pouco depois odiou-a quando o pai se afogou no Danúbio. Em seguida quis vingar-se. E vingou-se vencendo-a. Tornou-se nadador e traçava braçadas largas por entre o líquido do qual quase fazia parte. Então chamou-se a si próprio Hajós, que queria dizer marinheiro. Era marinheiro sem barco e com mãos no lugar de velas. Erguia-as alto e fazia-as mergulhar num impulso violento ao mesmo tempo que batia os pés como uma hélice. Alfréd lembrava-se do pai sempre que nadava. Queria ter sabido nadar para o ter salvo. Mas era ainda cedo demais para ele. Nem sempre a vida nos faz a vontade no tempo certo. Às vezes só faz depois. Mas que ninguém diga que é demasiado tarde porque nunca é demasiado tarde para cada um descobrir aquilo que é. Vejam o caso de Arnold. Ou de Alfréd, se preferirem.

Em 1896, Hajós estudava arquitetura. Era bom aluno mas ainda melhor nadador. E teimoso por natureza. Resolveu ir aos Jogos Olímpicos de Atenas, os primeiros da Era Moderna, mas os professores avisaram-no de que não iam permitir que faltasse às aulas. E aí marimbou-se para as aulas e para os professores e foi para Atenas. O mar era frio na Baía de Zea, em Phaleron, no Mediterrâneo, praticamente em frente do porto do Pireu. Não havia piscinas nos Jogos de Atenas. Nadava-se em águas profundas. O marinheiro húngaro esteve-se tão nas tintas para o frio como para as aulas da faculdade de arquitetura de Budapeste. Bateu-se contra os 12 graus de temperatura e contra ondas de quatro metros, fez 1 minuto e 22 segundos nos 100 metros livres e 18 minutos e 22 segundos nos 1200 metros livres. Foi primeiro nas duas provas e ganhou duas medalhas de prata porque os vencedores eram premiados a prata e os segundos a bronze – os terceiros não ganhavam nada. Tinha 18 anos. Não houve, em Atenas, nenhum vencedor mais jovem do que ele. Regressou à universidade e foi felicitado pelo diretor com uma frase seca: «Muito bem, ganhaste duas medalhas mas isso interessa-me pouco. Quero ver é as tuas notas nos próximos exames». Tubérculos! Alguém quer ouvir um elogio tão rafeiro? Não certamente Hajós, mas tratou de tirar o curso com a mesma facilidade com que ganhara as medalhas.

Alfred nadava bem mas não corria pior. Dois anos depois dos Jogos Olímpicos tornou-se campeão húngaro dos 100 metros e dos 400 metros barreiras. Para que não se reduzisse tudo à monotonia da velocidade, também foi campeão do lançamento do disco. Mas a verdade é que ainda não estava satisfeito. Decidiu experimentar o futebol. Ajeitou-se a avançado-centro do Magyar Testgyakorlók Köre, o mesmo clube onde praticava natação. Era como se estivesse em casa. Marcou golos. Bastantes golos. Teimava em ficar na História. Depois de ser o primeiro húngaro a ganhar uma medalha olímpica, tornou-se um dos primeiros onze húngaros a estrear a camisola da seleção da Hungria. Corria o dia 12 de outubro de 1902. O treinador deu-lhe a braçadeira de capitão. Viajaram até Viena para defrontarem a Áustria e foram goleados por 0-5. Pelo meio, além de jogar também foi árbitro. E, no ano de 1906, selecionador da Hungria. Só em três jogos: dois empates e uma vitória.

Olhando para trás, a vida de Arnold Gutt, transformado em Alfréd Hajós, parece te sido cansativa à brava. Chiça que fazer tanta coisa em tão pouco tempo é de esfalfar uma cáfila de camelos com seis meses de deserto sarauí. Só que Hajós era incansável. E gostava de medalhas. Voltou aos Jogos Olímpicos em 1900, em Paris, agora não para nadar mas sim para, em conjunto com o seu compatriota Dezső Lauber, apresentar um projeto para um estádio que entrou na competição de arquitetura (sim, sim, que a havia!). Ganharam a medalha de prata, que como já disse, era como se fosse de ouro. De Budapeste a Debrecen, de Szeged a Bratislava, os edifícios desenhados por Alfréd davam nas vistas. Se ele odiava algo, era ser vulgar. Por isso pegou no stencil e desatou a ser mais invulgar ainda do que até aí tinha sido. Dois anos antes de morrer, o Comité Olímpico Internacional chamou-o para premiar o seu originalismo e ofereceu-lhe um diploma de mérito. Em seguida, Hajós voltou para casa e continuou a desenhar até que as suas mãos mergulharam para sempre numa fantasia de águas frias.