Tentou-se criar a ideia de que os militares não podem participar no espetro político. Não, não podem participar enquanto estiverem no ativo. Depois de saírem do ativo são cidadãos como outros quaisquer».
Esta afirmação, feita por um cidadão anónimo, seria uma evidência; mas dita por quem foi, tem um significado preciso.
O militar em causa não só não aceita ser excluído de uma carreira política depois de sair do ativo, como admite fortemente essa hipótese.
E a ‘carreira política’ de que fala só pode ser uma: a Presidência da República.
Estamos a referir-nos ao almirante Gouveia e Melo.
Dizem os puristas republicanos que um Presidente militar seria ‘um retrocesso’.
Ora, entendamo-nos: a subida à Presidência de um militar seria um retrocesso se se processasse de forma menos democrática, como um pronunciamento ou um golpe de Estado; mas a eleição de um militar fora do ativo, que se apresente às urnas em plano de igualdade com os outros candidatos, será um retrocesso porquê?
A oposição democrática não apoiou no tempo de Salazar as candidaturas de Norton de Matos e de Humberto Delgado?
Ramalho Eanes não foi um PR exemplar?
Vou mesmo mais longe: nos dias de hoje, ser militar não é um anátema, pelo contrário, é uma vantagem.
Logo a começar, pelo apartidarismo.
Os partidos políticos estão muito desacreditados.
Sendo indispensáveis à democracia, são também responsáveis por muitos dos seus vícios.
Não pertencer a nenhum partido, não ser político, não é um handicap – é um trunfo.
Os militares são treinados para defender o interesse nacional e não interesses particulares ou de grupo; ora a Presidência da República é, por excelência, o órgão que visa proteger o interesse da nação como um todo.
Se Gouveia e Melo se candidatar, quem poderão ser os seus adversários?
Possivelmente, Marques Mendes, pelo PSD, e Mário Centeno, pelo PS.
Passos Coelho não quer a Presidência, António Costa está na Europa, António Vitorino não tem perfil.
Marques Mendes, apesar do esforço de isenção que tem feito como comentador, trilhando um caminho semelhante ao que seguiu Marcelo Rebelo de Sousa, tem uma imagem muito colada ao PSD; Centeno é visto como mais independente, mas tem menos reconhecimento público.
Admitamos ainda que André Ventura se candidatará pelo Chega.
Que resultados poderemos ter neste cenário?
Há que distinguir entre os militantes dos partidos e os seus eleitores.
Os militantes do PSD apostarão certamente em Mendes, os do PS em Centeno, os do Chega em Ventura; mas muitos dos votantes nestes partidos não serão tão fieis.
Estarão abertos a um candidato apartidário.
Muitos eleitores do PSD, do PS e do Chega votarão em Gouveia e Melo.
E ainda do PCP, que sempre gostou dos militares.
Tudo junto, creio que Gouveia e Melo poderá ficar à frente na 1.ª volta, seguido por Marques Mendes ou Mário Centeno.
Mas na 2.ª volta, o almirante ganhará sempre.
Porquê?
Porque tem os seus votos da 1.ª volta mais uma boa parte dos votos dos candidatos que não passaram à 2.ª.
Os votantes de Centeno dificilmente votarão em Mendes, como os de Mendes não votarão em Centeno.
E o almirante terá ainda a quase totalidade dos votos do Chega e muitos do PCP.
Enquanto Gouveia e Melo crescerá muito em relação à 1.ª volta, o seu adversário pouca margem de crescimento terá.
Há ainda três fatores conjunturais que o favorecem.
1.º – A guerra na Europa e no Médio Oriente;
2.º – A ingovernabilidade que se vive em Portugal;
3.º A circunstância de suceder a Marcelo Rebelo de Sousa.
Os dois primeiros ajudam a criar uma sensação de insegurança, favorável a um acréscimo de autoridade e firmeza no topo do Estado; o terceiro é da ordem natural das coisas: tal como Marcelo foi beneficiado por suceder a um ‘cara de pau’ como Cavaco, Gouveia e Melo terá vantagem por suceder a um ‘charmeur’ como Marcelo..
Tudo aponta na mesma direção.
Gouveia e Melo, se for candidato, será o próximo PR.
Só não será se não quiser.
Mas um imprevisto pode sempre acontecer.
Lembro-me de em 1985 ter estado uma hora ao telefone com o general Firmino Miguel, e no fim ter ficado com a certeza de que ele ia anunciar a candidatura à Presidência.
Na sequência da conversa, fiz a seguinte manchete: Firmino dirá o ‘sim’ para a semana.
Ora, nesse fim de semana, o general disse o… ‘não’.
Telefonou-me depois a pedir desculpa por me ter induzido em erro.
Mas – explicou-me – foi a própria manchete do jornal que o fez mudar de opinião.
Confrontado com a necessidade de decidir rapidamente, passou em segundos do ‘sim’ ao ‘não’.
Neste momento, penso que Gouveia e Melo dirá o ‘sim’ e será eleito.
Mas o passado aconselha cautela.
Num segundo, tudo pode mudar.