Volto à ideia que lancei na última edição, por julgar ser interessante para os leitores e sobretudo por poder ser importante para o país. Refiro-me à participação das populações na defesa das suas casas e bens, em caso de incêndio.
Qualquer pessoa lúcida percebe que os investimentos feitos nesta área não têm servido para nada, pois o dinheiro investido aumenta constantemente e os resultados são os mesmos. Apesar dos aviões, dos helicópteros, do material ultramoderno que os bombeiros usam, a área média ardida anualmente mantém-se estável.
É preciso, pois, uma mudança qualitativa.
É preciso uma mudança não em quantidade mas em qualidade.
É preciso que deixemos de dizer «Vamos fazer melhor» e passemos a dizer «Vamos fazer diferente».
E isso supõe uma ideia nova, que permita um salto em frente.
Sempre que há incêndios, vemos populares a combater contra eles de uma forma desorganizada, caótica e com meios rudimentares: ramos de árvores, baldes e mangueiras de jardim.
Então, pergunta-se: por que não pegar nessas pessoas, dar-lhes formação e fornecer-lhes alguns meios que permitam uma ação mais eficaz?
Os bombeiros passam uma parte do ano sem fazer grande coisa ou fazendo muito pouco. Por que não pegar neles e levá-los a ensinar às pessoas, nos locais onde vivem, o melhor meio de combaterem um fogo?
Parece demasiado simples?
As grandes ideias são simples.
Um homem que perdeu tudo num dos incêndios da semana passada confessava-se reconhecido com o facto de tanta gente ter tentado salvar-lhe os haveres. Não o tinham conseguido, mas tinham-se mostrado imensamente generosos.
Eu próprio já senti a cadeia de solidariedade que se estabelece entre as pessoas quando estala um incêndio. Todos se juntam para defender as casas dos outros, exatamente como se estivessem a defender a sua.
O espírito, portanto, existe.
A disponibilidade existe.
O que é preciso é mobilizá-la, organizá-la e dar-lhe alguns meios.
Recordo que noutro género de combates, contra outro tipo de inimigos, já tivemos na nossa história exemplos notáveis.
Há duzentos anos, a Corte tinha fugido para o Brasil, o país estava de pantanas e o Estado não existia.
O exército francês entrou por aqui dentro como faca em manteiga e chegou a Lisboa.
Ora, quem irá combater o invasor?
Entre 1807 e 1811 o maior inimigo dos franceses não será o inexistente exército português, nem sequer os ingleses, que vieram em nosso auxílio. Em muitos casos, foi a guerrilha rural. Populares organizavam-se – e armados de forquilhas, de enxadas, de machados ou de simples varapaus caíam em cima dos franceses quando os apanhavam desprevenidos e matavam-nos sem piedade.
Muitos franceses morreram assim, às mãos de modestos camponeses.
Agora o inimigo é outro. Mas as populações podem ter do mesmo modo um papel decisivo nesse combate.
Basta, nas áreas de maior risco de incêndio, dar-lhes uma formação básica e meios para o fazerem – pontos de água, material de sapa, mangueiras de qualidade, vestuário apropriado – e mobilizá-las sempre que surge um alerta de fogo na zona.
Tenho a certeza de que as populações participariam com entusiasmo nesta campanha.
E, com um investimento pequeno, o Estado poderia conseguir um exército enorme de gente pronta a defender os seus bens e os dos vizinhos.
O objetivo, note-se, não é combater o fogo e muito menos ir para o meio da floresta: isso é perigoso e deve estar reservado a profissionais.
Por outro lado, é necessário ter em conta que a prioridade é a deteção precoce, pois um fogo no início é muito fácil de extinguir.
Mas quando isto falha, o objetivo passa a ser a defesa das casas, dos lugares, das aldeias, dos sítios onde vive gente, enquanto não chegam os bombeiros. Até porque haverá locais onde os bombeiros nunca chegarão. Não podem chegar a toda a parte. E aí é que o fogo pode encontrar numa população organizada uma barreira intransponível.
Espero que esta ideia não caia em saco roto.
Não vale a pena continuar a derreter dinheiro no fogo, porque isso não conduz a nada. A prova está feita. Partamos para outro patamar, ousemos dar um salto utilizando um potencial que já existe e está inteiramente por explorar.