Tomás Taborda. “Penso muito na arte como um motor de mudança para tudo”

Já participou em séries, musicais e, neste momento, é um dos protagonistas do espetáculo Telhados de Vidro, encenado por Marco Medeiros.

Ao entrarmos pela porta dos artistas do Teatro da Trindade, avistamo-lo ao fundo. Estava à nossa espera. Aproxima-se com um sorriso no rosto. Tem apenas 22 anos e um grande sonho: continuar a fazer aquilo que ama com liberdade, sem deslumbramentos e sempre com muita curiosidade. Tomás Taborda já participou em séries, musicais e, neste momento, é um dos protagonistas do espetáculo Telhados de Vidro, encenado por Marco Medeiros. É o amor que o move e é a arte que o fascina em todas as suas formas.

Apaixonaste-te pelo mundo das artes bastante cedo… Em criança, nas épocas festivas, gostavas sempre de fazer um pequeno espetáculo e obrigavas o teu irmão a participar. O que recordas desta tua infância? Sou uma pessoa muito nostálgica. Por isso, gosto sempre de viajar para esses sítios. Lugares onde fui muito feliz… Sinto que tive uma infância bastante livre. Uma coisa em que os meus pais estiveram muito bem – e claro que ninguém é ensinado a ser pai –, foi em não colocar muitas expectativas sobre aquilo que eu ou o meu irmão seríamos. Sempre houve uma grande liberdade para brincarmos e fazermos o que quiséssemos. Acho que essa liberdade acabou por me acompanhar, mas foi bom ter começado nessa fase decisiva. Muito do que somos é traçado nessas idades… Na infância, adolescência… E o gosto pelas artes veio de muito novo. O meu pai sempre cantou, eu só adormecia ao som da música do Caetano Veloso – O Leãozinho. Lembro-me que, desde muito novo, queria cantar e fazer espetáculos. Também fui influenciado pela minha avó paterna, que canta e esteve sempre ligada a marchas populares. Eu sabia que queria algo relacionado com arte, que queria comunicar através dela. 

Cantavam juntos? Sim! A minha avó gostava muito de fado. Portanto, a Simone de Oliveira era uma cantora que eu adorava ouvir. Ela cantava muito A Desfolhada, o Sol de Inverno. Como andava nas marchas, também me ensinava muitas. Era ela que as escrevia.

Cresceste em Arzila, rodeado de mulheres. No que é que isso moldou a pessoa que és? Ainda hoje de manhã estive a ler um artigo da Tânia Graça onde ela fala sobre a masculinidade tóxica. Se calhar o problema nem sempre está nos homens, mas sim no comportamento que associamos a eles, porque é aquilo que somos ensinados. Crescer rodeado de mulheres traz-me uma sensibilidade única. Digo várias vezes que eu sou «um homem de mulheres». Acho que há algo em vocês que nós não temos… Aliás, acho que temos, mas só quando nos despimos de imensas construções sociais do que é ser um homem. Então, quando crescemos rodeados de mulheres, de simpatia e sensibilidade, isso molda-nos e acaba por nos tornar melhores. A forma como expresso os meus sentimentos, como dou uso à palavra… Elas sempre me transmitiram também essa liberdade.

Falas muito de liberdade… Isso significa que sempre tiveste o apoio da família? Para qualquer escolha da minha vida. Os meus pais sempre defenderam: «Se queres fazer alguma coisa vais ter de estudar para isso». Eu também defendo. Há coisas que temos de aprender para fazer da arte uma profissão. O talento esgota-se e eu acredito que temos de estar sempre em busca de novas aprendizagens, novas referências, novos filmes, livros, ir ao teatro… Muitas vezes gastamos 10 euros em mil coisas e como é que isso passa a ser “muito”quando vamos ao teatro? Efetivamente sinto que só tenho esse gosto pela arte e pela liberdade, porque sempre me foi permitido. Se calhar, se fosse algo que os meus pais não aceitassem tão bem, não teria tanta força. O meu pai é que vinha comigo aos castings. De Coimbra a Lisboa, ainda são mais de duas horas de caminho. Perdia um dia inteiro de trabalho e ficava à minha espera. Ter esse apoio é fundamental. Dá-nos outra força.

Falavas de formação… Frequentaste o curso de teatro na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa e fizeste parte da Escolha de Verão no Teatro Politeama. Ainda tiraste um curso de teatro na F.A.M.E e o 3º ano de viola d’Arco no Conservatório de Música de Coimbra. Este é um tema que tem estado muito na ordem do dia, principalmente no mundo das artes. Eu quando digo formação, não tem necessariamente de ser uma licenciatura… É mais cultivar-nos enquanto artistas. Por exemplo, fazendo workshops. Para mim, um artista, é aquele que tem uma voz ativa. E para nós termos uma voz ativa, temos de saber do que é que falamos. Claro que não temos de saber falar sobre tudo, mas acho que é importante uma aprendizagem e uma busca constante pelo novo. Daqui a 20 anos posso ter uma opinião completamente diferente, mas este ano o que me faz sentido é isso mesmo. De dois em dois meses tentar fazer um workshop diferente, tentar conhecer filmes, espetáculos, artistas, livros. A formação é importante porque nos dá um leque de opções não só sobre aquilo que fazemos, mas também sobre aquilo que somos. Colocamo-nos em situações que saem da nossa zona de conforto e é importante explorarmos isso. É importante estarmos em sítios diferentes, lermos sobre novas teorias, conhecermos várias perspetivas. Os workshops que normalmente acontecem em dois ou três dias, oferecem-nos isso mesmo.

Quando assistias a filmes, interrogavas a forma como as pessoas chegavam ali.  O que é que mais te fascinava no universo artístico? Todos os domingos os meus pais viam filmes, por isso eu acabava por assistir com eles. Eu adorava “entrar” no filme e não pensar que aquilo era um filme. Estava tão concentrado naquilo que estava a ver, que estava apenas a assistir a uma história. Acho que é isso que é tão bonito nesta área. Podemos apenas mergulhar em histórias. Adorava ver as performances dos atores. Lembro-me da Angelina Jolie, no filme Girl, Interrupted. Tinha 14 ou 15 anos e fiquei fascinado com ela. Eu pensava: «Um dia vou conseguir fazer algo assim!». Mas adorava tudo. Adorava estar atento às cores, às roupas. Também gosto muito de moda… Fascinava-me a beleza das coisas. Cada pausa que eu fazia num filme podia ser uma fotografia. Então nos filmes do Tim Burton que são tão específicos… Recordo-me do A Noiva Cadáver, do Coraline. Fascinava-me o universo estranho dele. Gosto muito dessa linguagem. 

Tal como disseste, também passaste pela moda.  Aliás, já disseste que ajudavas os teus pais a escolher roupa. É um complemento artístico? São coisas que surgem naturalmente. Não penso: «Tenho de ser bom nisto, naquilo, etc». Simplesmente acho que se temos várias coisas ao nosso alcance e, sobretudo, valências que podem ser aproveitadas, temos de aproveitá-las. Eu, por exemplo, identifico-me imenso com a Patti Smith. Acompanho-a e acho que ela também defende isso. É artista plástica, escritora, cantora. Não temos de nos cingir a uma única forma de arte. Podemos fazer várias coisas e vão haver momentos na vida em que nos vai apetecer fazer mais uma coisa que outra. Está tudo bem com isso. Mas sim, o gosto pela moda surgiu cedo. Adorava ver as roupas da minha mãe, os saltos da minha madrinha. Ir às compras com ela era uma parte incrível do meu dia. Ajudava-a a escolher. Na adolescência eu e as minhas amigas chegámos a uma fase em que eu ia a casa delas para lhes escolher conjuntos para a semana.

Lembraste do primeiro casting que fizeste? Qual a tua opinião sobre a forma como se fazem os castings atualmente? Há muita competição? Há sempre. Se as oportunidades são poucas e nós queremos todos agarrá-las… Mas eu também defendo muito que nós construímos uma personagem, mas há algo na nossa individualidade que é essencial para ela. Por isso é que há personagens que são mais indicadas para mim e outras que não. Temos de viver em paz com isso. Quanto aos castings… Atualmente é muito boa a questão das self-tapes. Quando eu estava em Coimbra isso evitava-me deslocações. Podemos chegar a lugares que antes não chegávamos. Temos atores portugueses que há 50 anos podiam estar lá fora e não estavam porque não tínhamos como chegar lá. Não haviam meios nem acessos. Quanto ao meu primeiro casting foi para a Central Models. Estava mesmo muito nervoso. Entrei numa sala, tinha de desfilar e ainda por cima não sou muito alto…

Esse bichinho acalma com a experiência? Ou não é suposto que passe porque acaba por nos fazer sentir vivos? Exatamente. Os nervos são sempre necessários. Lembro-me do meu primeiro ensaio, aqui no Trindade, eu estava muito nervoso. Acho que é ótimo. Claro que é bom que os nervos não nos impeçam de fazer as coisas, mas é bom sentirmos. A reação que têm no meu corpo é quase explosiva. Uma adrenalina única… Eles até acabam por me ajudar!

Acabaste por vir para Lisboa para gravar a série ‘Vanda’, na OPTO, da SIC. Qual a importância que esta primeira experiência no mundo televisivo teve para ti? Só tinha feito umas publicidades antes. Esta experiência foi mesmo importante. Trabalhei com o Simão Cayatte que também tem uma maneira de ver as coisas muito bonita. Deixa-nos ter sentido crítico sobre aquilo que estamos a fazer. Ouve-nos, quer a nossa opinião. Dá-nos esse espaço. Foi fundamental, até porque comecei com uma amiga minha, que é a Mariana Cardoso, e também trabalhei com a Gabriela Barros que é das pessoas que mais admiro. O casting foi feito pela Patrícia Vasconcelos, já tinha feito outros com ela… Estou eternamente grato por essa oportunidade. Lembro-me de estar no casting e pensar nisso: «Eu só quero uma oportunidade!».

Já disseste noutra entrevista que «é um sonho trabalhar nesta área». Tens apenas 22 anos. O que é que mais te preocupa neste ramo? O facto de as pessoas serem descartáveisé uma coisa muito assente neste meio. Hoje surge uma pessoa que toda a gente quer, amanhã já é outra… Daí eu achar que também devia haver espaço para todos. Temos de nos mentalizar que“caras bonitas” há imensas e temos de ter algo mais. Ao mesmo tempo, esta área não nos permite organizar coisas a longo prazo… Lá fora um ator consegue trabalhar num filme e, se calhar, viver uns anos com o dinheiro desse filme. Aqui não. Temos de estar em constante busca de trabalho.

Pensas muitas vezes nessa instabilidade? Acho que o facto de ter apenas 22 anos traz-me alguma leveza. Felizmente a minha relação com o trabalho também tem sido boa. As coisas vão surgindo.

E como é que vês esta nova geração de atores da qual tu também fazes parte? Acho ótima! É mesmo um desbravar de caminhos! Há muita coisa para ser dita e que finalmente está a ter palco. Acho que nós aprendemos muito com a idade, mas as pessoas também têm muito a aprender com os mais novos. Também temos muitas coisas para falar e mostrar. Temos de ter credibilidade. Não é por eu ter 22 anos que não sei nada. O que é perigoso é quando as pessoas querem falar sobre tudo, mesmo sem saberem do que falam.

A tua estreia em palco foi com a peça de teatro ‘Trouble’ em 2021, dirigida por Gus Van Sant, em Paris. Como foi pisar pela primeira vez as tábuas de madeira, sobretudo fora do teu país? Foi tudo muito rápido! Admiro muito o Gus Van Sant. Quando soube do casting estava em Coimbra. Nem o fiz. Mas entretanto saiu um ator do espetáculo e eu fui chamado. Quando estava a fazer o casting pensei: «Quem me dera! Isto é um musical, adoro cantar!». Ainda não tinha tido oportunidade de fazer teatro, ou um musical. Era em inglês… Isso também foi bom, porque tal como dizia, é importante sairmos da nossa zona de conforto. Foi mesmo uma experiência incrível. Quando estava no avião só pensava: «Isto está mesmo a acontecer!». Na primeira noite de espetáculo, estava super nervoso, já tinha bebido sete chás de gengibre. Mas aquilo que tenho sentido sempre é que eu entro no palco e esses nervos passam. Estar em palco é único e libertador!

Foi fulcral para o teu caminho? Foi. Foi o momento em que percebi o quanto eu gostava de fazer teatro.

Integras o elenco da série ‘Morangos com Açúcar’. Na série, dás vida à personagem Pedro França, conhecido como Harry. Ele foge um pouco da norma e abriu uma “discussão” sobre as questões de género e sexualidade. O que é que esta personagem te trouxe? Eu acho que foi a personagem certa para eu fazer. O elenco foi muito bem escolhido. Todos nós nos preocupávamos com determinados temas e queríamos, sobretudo, que as pessoas que vissem – quer tivessem 40 ou 16 anos –,  se pudessem identificar. Nós não somos todos iguais, temos todos histórias diferentes e gostamos de ser representados no ecrã. Esta personagem trouxe-me, acima de tudo, ainda mais liberdade. O Harry não se importava mesmo, só queria fazer o que sentia. Estava bem com isso. Eu também me identifico com isso, claro que nunca faltando ao respeito a ninguém. Mas nós somos livres!

Sentes que ainda há muita falta de representatividade na televisão portuguesa? Acho que estamos a caminhar, mas ainda existem muitas lacunas. Precisamos de contar outras histórias, precisamos mesmo de novas narrativas. A sociedade evoluiu, os Morangos foram uma prova disso. Não podiam estar à espera do que viram há anos.

O que é que há de mais especial na representação? Penso muito na arte como um motor de mudança para tudo. Ao vermos um quadro, ouvirmos uma música, faz-nos pensar em coisas que se calhar não pensamos com a azáfama do dia-a-dia. Podendo a arte fazer-nos pensar sobre aquilo que somos e as escolhas que tomamos, pode também mudar vidas. Vivemos um período de pandemia em que vimos muitos filmes, foi essencial. Nós precisamos da arte!

O que é que tens descoberto sobre ti neste percurso? É sempre difícil falarmos sobre nós, mas com as vivências que tenho tido, sei que procuro fazer coisas com as quais me identifico. Ou seja, que defendo. Quero muito divertir-me ao fazer isto. É preciso gostarmos daquilo que fazemos. Quer seja a coisa mais dramática, ou a coisa mais cómica… É bom encontrar prazer naquilo que fazemos. Se o estamos a fazer só porque sim, não faz sentido… Espero que ao longo do tempo as coisas continuem assim, que me continue a descobrir e desconstruir enquanto pessoa e artista.

Como chegou o convite para fazeres o espetáculo ‘Telhados de Vidro’? Foi engraçado, eu estava no concerto dos D’zrt quando recebi uma mensagem do Marco Medeiros a perguntar o que eu ia fazer de x a x. Queria convidar-me para um projeto no Trindade. Depois quando me enviou o texto, fiquei fascinado. A escrita do David Hare é brilhante. Um texto de 1995 que podemos aplicar aos dias de hoje. Um texto contemporâneo que nos faz pensar. Quando o li pensei em diversas escolhas da minha vida, quer sejam políticas, éticas, sociais…

O espetáculo fala-nos precisamente disso: Ideologias, dor, amor… Exatamente. Temos duas personagens completamente diferentes. Temos o Tomás, interpretado pelo maravilhoso Diogo Infante, que é um personagem muito mais pragmático e conservador. Depois uma Clara, interpretada pela Benedita Pereira, muito idealista, defende valores e causas. Como é que a visão política afeta as nossas relações pessoais? Vai sempre afetar. É bom termos opiniões diferentes. É falar sobre relações pessoais, sobre amor. O personagem que eu interpreto, o Eduardo, é isso que procura ao ir a casa de Clara. Tal como o Tomás e a própria Clara. O espetáculo é muito isto. Como é que as relações pessoais podem ser destrutivas para nós…

Como é que chegaste até ao Eduardo? O Marco é essencial para descobrirmos as personagens… São dores que eu não sei o que são, que não conheço… Como é que eu consigo, de uma maneira justa, passar essas dores? Para mim é muito através dos ensaios.

Podes falar-nos um bocadinho mais deste personagem? Claro! O Eduardo tem 18 anos, perdeu a mãe há um ano e procura aquilo que todos nós procuramos a dada altura: apoio emocional. Está a fazer um Gap Year, por isso está a explorar aquilo que quer fazer. Mas acho que o Eduardo, ao contrário de mim – que sou uma pessoa que fala pausadamente e gosta de pensar no que digo –, fala sem parar. Há uma urgência naquilo que ele diz. Foi o meu maior desafio. O Marco estava-me sempre a dizer: «Tomás, para com as pausas! Este miúdo tem ritmo». É impulsivo e não tem medo do julgamento. Ao mesmo tempo, a atitude que ele tem no final do espetáculo é extremamente sensível. 

A responsabilidade é maior quando contracenas com atores como Diogo Infante e Benedita Pereira? A responsabilidade é sempre grande. Como é algo que gosto tanto de fazer, é natural que o queira fazer sempre bem. Às vezes gostava de dar mais descanso à minha cabeça. Sou muito obcecado com o trabalho, penso muito. Sou muito impaciente. Mas claro que partilhar o palco com estes dois atores… O que é que eu podia pedir mais para o meu começo de carreira? Ainda por cima neste espaço que é lindo. A maior parte dos espetáculos que se fazem no Trindade são trabalhos com os quais eu me identifico bastante. Tanto o Diogo como a Benedita são de uma generosidade única para comigo. Sinto-me mesmo muito bem aqui. Não sinto nenhum paternalismo por ser mais novo. 

Ainda há muito caminho a percorrer. O que é que desejas para o futuro? Tenho sonhos e realizadores com quem gostava de trabalhar um dia, mas não sou uma pessoa que faça muitos objetivos a longo prazo. Sinto que isso me traz alguma ansiedade. Gosto de pensar que vou continuar a fazer aquilo que me faz sentido e que não me vou deslumbrar. É muito fácil deslumbrarmo-nos neste meio e, quem diz que não, está a ser hipócrita. Quando as coisas mudam de um dia para o outro, quando surgem oportunidades e as atenções estão voltadas para nós, isso afeta o ego. Não quero ser deslumbrado, quero procurar formar-me, continuar a trabalhar e ser curioso.