Quem tiver paciência e tempo para passar os olhos pelos guiões programáticos da disciplina de Educação para a Cidadania, que acompanha os nossos alunos do 1.º ao 12.º ano, percebe que o seu grande problema é a carga ideológica que os marcam. O denominador comum destes guiões é o género, está lá tudo sobre a respetiva ideologia. Estão lá identificados os estereótipos associados aos homens e às mulheres, a explicação de que o género é uma construção social e todo um lençol sociológico saído das faculdades de ciências sociais e dos seus inspiradores sobre este fraturante tema do século XXI. Se procuramos a palavra pobreza nestes guiões ela apenas aparece uma vez no guião do 1.º ciclo, a mesma citação no guião do 2.º ciclo e cinco vezes no do 3.º ciclo – e neste sempre associada a grupos ou géneros.
O problema da disciplina de Cidadania não está nos detalhes, está no objetivo. O objetivo é programático, é criar um homem novo. Um cidadão à imagem e semelhança dos senhores a quem foi encomendado a elaboração destes guiões. Ali se explicam coisas como o bloqueio que são as religiões (pelo menos as três monoteístas) à emancipação das mulheres – no guião do secundário.
Tudo errado. Se este Governo resolvesse pedir aos senhores do Instituto Mais Liberdade que desenhassem um catálogo sobre esta disciplina, seria o fim do regime. Mario Vargas Llosa, Friedrich Hayek ou Adam Smith seriam a sua inspiração e o modelo seria apresentado aos professores como farol para lecionarem a disciplina. Seria absurdo e seria certamente recusado pelos responsáveis. Mas não é nem para uns nem para outros que existe esta disciplina. Nem para religiosos ou anti-religiosos, minorias ou até maiorias, para liberais conservadores, socialistas ou populistas espalharem as suas mensagens.
Formar e educar crianças e jovens é, antes de tudo, ajudá-los a pensar, a resolver problemas e dar-lhes instrumentos para o fazerem. É assim na Matemática, Português, Geografia ou Biologia. A escola passa o conhecimento, ensina. E deve respeitar a liberdade de cada um, de cada família, porque o Estado existe para servir e não para formar.
A disciplina Educação para a Cidadania, numa sociedade em que os extremos se agitam, as polémicas são mais barulhentas dos que os conceitos, a História ou mesmo a verdade são secundarizadas e tudo se coloca em causa como se o mundo tivesse sido criado ontem à tarde, tem tudo para dar asneira. O seu conteúdo não pode nem deve ficar dependente da ideologia ou das simpatias de quem se senta no Ministério da Educação. Se assim for, será sempre uma disciplina de risco, sem critério ou fundamento. Perigosa porque há idades em que tudo se absorve como uma esponja. Bastava falar de pobreza, de direitos humanos, explicar o que é um cidadão, como funciona o Estado, dedicar algum tempo ao ambiente, à dimensão religiosa e mundana, à revolução digital e os efeitos na cidadania para ter interesse e para que tivesse utilidade. Enfim, que tratasse do essencial, daquilo que nos faz sair de nós como indivíduos e nos caracteriza como parte de uma civilização. Tudo o resto, ensinar cartilhas ideológicas, é, antes de tudo, desonesto e abuso de poder.