‘Guaidó vive nos EUA e dá aulas numa universidade da Flórida’

Secretário de Rafael Caldera, ex-Presidente venezuelano, e ex-embaixador de Juan Guaidó na Hungria, Enrique Alvarado falou sobre a situação delicada da Venezuela

Qual é o ponto de situação na Venezuela?

As eleições de 28 de julho de 2024 foram amplamente denunciadas como fraudulentas, com alegações de manipulação por parte do regime de Nicolás Maduro. Ainda que os resultados apresentados pelo Conselho Nacional Eleitoral, associado ao PSUV, tenham declarado a vitória de Maduro, a oposição e diversos observadores internacionais rejeitaram esses números, apresentando atas oficiais das mesas que mostram um resultado que favorece Edmundo González Urrutia. Atualmente, a situação na Venezuela é tensa, com um ambiente de incerteza e protestos que aumentam a cada dia. A comunidade internacional está a avaliar medidas para pressionar o Governo, de facto, através de sanções e diplomacia.

Como vê os esforços dos vários líderes mundiais?

Vários líderes internacionais, incluindo dos Estados Unidos, da União Europeia e de alguns países latino-americanos, expressaram o seu repúdio pela fraude eleitoral levado a cabo por Nicolás Maduro. Apelaram à restauração da democracia na Venezuela, impulsionando ações coordenadas para sancionar o regime de Maduro. Também procuraram promover o diálogo entre as forças políticas venezuelanas ainda que, até agora, os esforços de mediação têm tido pouco êxito, em parte devido à falta de confiança no Governo de Maduro. Todos estes esforços revelam-se insuficientes perante um povo venezuelano indefeso, submetido a uma repressão selvagem por parte do regime.

Foi embaixador de Juan Guaidó na Hungria. Pode contar-nos como foi o processo e que trabalho desenvolveu em Budapeste?

A Assembleia Nacional da Venezuela designou Juan Guaidó como Presidente interino da Venezuela. Perante o vazio de poder existente, Guaidó designou de imediato uma equipa de trabalho para as relações internacionais, um escritório, um ministro dos Negócios Estrangeiros e 31 embaixadores nos quatro continentes, encarregados de serem as artérias de comunicação, os porta-vozes entre o Governo e os países tinham reconhecido Guaidó como Presidente interino. Fui designado na Hungria pelos meus vínculos políticos com o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, através da Internacional Democrata de Centro (IDC) e do Partido Popular Europeu (PPE).

O reconhecimento oficial de Guaidó e do seu embaixador pela Hungria facilitou a minha chegada e o meu trabalho em Budapeste, onde existem importantes laços históricos e culturais entre os dois povos. Chegaram à Venezuela milhares de húngaros depois da Revolução de 1956, fugindo do terror comunista, que foram acolhidos com generosidade e amizade pelo povo venezuelano. É digno destacar que, em agradecimento à Venezuela, o primeiro-ministro Orbán implementou o programa de repatriação de venezuelanos de origem húngara, bem como dos seus familiares, sob o guarda-chuva da ‘Soberana Ordem dos Cavaleiros de Malta’, o que permitiu, nos últimos anos, que pudessem regressar à Hungria perante a tragédia que vivem os venezuelanos sob o jugo do Castro/Chavismo. Atualmente vivem na Hungria milhares de venezuelanos que gozam de uma excelente qualidade de vida, segurança e educação para os seus filhos e familiares. Com todos eles tratei de manter comunicação e atenção, apesar das limitações que tinha com embaixador.

As relações com o gabinete do primeiro-ministro, com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, com o seu ministro dos Negócios Estrangeiros Peter Szijjartto e com a Comissão de Política Externa da Assembleia Nacional, foram permanentes e de estreita relação e colaboração.

Quero também destacar que se realizaram bastantes fóruns e reuniões com instituições, com universidades e com a sociedade civil da Hungria.

Por último, quero destacar o trabalho que a Embaixada realizou ao implementar um centro de acolhimento em Budapeste para os venezuelanos que fugiram da guerra na Ucrânia. Viajei, em várias oportunidades, para a fronteira entre a Hungria e a Ucrânia para receber pessoalmente as pessoas que fugiam da guerra. 

Ainda se mantém em contacto com Juan Guaidó?

Mantenho relações excelentes com o Presidente Juan Gaudió, atualmente exilado nos Estados Unidos. Acompanho diariamente as suas atividades, dá aulas numa universidade na Flórida, onde vive com a sua família. Considero que se foi injusto com Juan Guaidó, mesmo depois do imenso esforço e sacrifício que realizou a favor da causa da liberdade e da democracia na Venezuela. Nós, venezuelanos, estamos em dívida para com ele.

E pode contar-nos o que faz atualmente? 

Fui secretário do ex-Presidente da Venezuela Rafael Caldera e fui diretor-geral da Presidência nos cinco anos do seu segundo Governo. Em Madrid, fui correspondente durante cinco anos para a Televen, um canal privado da Venezuela. Depois de ser embaixador na Hungria por quatro anos, mudei-me para Valência, desde onde me mantenho muito ativo pela causa da liberdade e da democracia na Venezuela. Mantenho e cultivo as minhas relações com o Partido Popular de Espanha e com os dirigentes da oposição na Venezuela. Participo em fóruns e reuniões e ao mesmo tempo estou em contacto permanente com os principais meios de comunicação social, jornais e televisões de Espanha e da América Latina. Todos os dias me mantenho informado a mais de trezentos contactos de amigos em todo o mundo com as principais notícias relacionadas com a Venezuela, com Espanha, com María Corina Machado e com o Presidente eleito da Venezuela, Edmundo González Urrutia.

E o que pensa da situação atual?

O mundo vive momentos muito complicados e a Venezuela não escapa a essa realidade. A Venezuela vive, há 25 anos, sob um regime de terror, que inicialmente foi democrático, mas que nos últimos anos derivou numa ditadura que viola os direitos humanos e dos cidadãos de forma sistemática. Em Lisboa vive um dos grandes responsáveis diretos do drama venezuelano, o ex-embaixador e general Lucas Rincón Romero, que foi ministro da Defesa de Hugo Chávez e chefe de muitos dos chefes militares do cartel que compõe a atual cúpula militar e foi embaixador em Portugal por quase 20 anos. O general Rincón Romero deve muitas explicações ao povo venezuelano como militar e como diplomata. Conheci-o no início do Governo de Chávez e era uma pessoa séria, mas ultimamente surgiram muitas histórias que o deixam muito mal visto como militar e como pessoa. Não se ocupou, como embaixador, entre outros assuntos, dos milhares de venezuelanos que foram enganados pelo Banco Espírito Santo.

Há uma má interpretação quando é dito que Edmundo González é Juan Guaidó 2.0? Há agora uma possibilidade real de tirar Maduro da presidência? E qual a melhor forma de o fazer?

É um erro comparar Juan Guaidó com Edmundo González Urrutia, são duas situações totalmente distintas. Há quem o faça por desinformação ou má fé. Guaidó foi o resultado de um acordo político da Assembleia Nacional de Venezuela, perante o vazio de poder existente, que o designou com Presidente interino. O caso de Edmundo González é totalmente distinto. Por trás dele há cerca de oito milhões de venezuelanos que votaram nele nas eleições de 28 de julho, o que faz dele Presidente eleito apesar da grande fraude que o CNE e o regime venezuelano pretendem realizar, apresentando Maduro como vencedor das eleições, quando na realidade não o foi. A verdade é que não chegou a atingir sequer os 30% dos votos. Edmundo conseguiu mais de 67% dos votos segundo as atas apresentadas. O mundo inteiro está consciente desta realidade.

É lamentável que, há duas semanas, o Parlamento português tenha rejeitado a iniciativa para reconhecer Edmundo González como Presidente eleito da Venezuela, como fez o Parlamento espanhol. Espero que depois de 10 de janeiro tudo mude. Os venezuelanos disseram a Maduro “já chega, tens de sair”, e ele, como todos os ditadores, recusa-se a aceitar a sua derrota. No dia 10 de janeiro é o juramento de Edmundo González Urrutia como novo Presidente constitucional da Venezuela.

Disse-me, antes da entrevista, que é amigo pessoal de Edmundo González. Encontra-o otimista?

Edmundo González regressou muito contente de Lisboa pela receção de amizade e boas vindas que lhe deu o primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro, e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel.

Edmundo é otimista por natureza, um diplomata de carreira que nunca imaginou que a vida lhe tinha reservado esta emboscada de ser Presidente da Venezuela. Desde jovem, esteve vinculado politicamente à Democracia-Cristã venezuelana (Copei). Somos amigos desde os anos 80, as nossas famílias são amigas. No segundo Governo de Caldera trabalhámos juntos, eu na Presidência e ele nos Negócios Estrangeiros. Tínhamos de trabalhar cordialmente. No Governo interino de Guaidó voltámos a coincidir, eu como embaixador e ele com vice-ministro de Julio Borges. Desde que chegou a Madrid, vejo-o muito ativo, vejo-o otimista com vista a 10 de janeiro.

E acredita que a situação venezuelana pode ter uma resolução em breve? 

Com o Castro/Chavismo, a situação na Venezuela torna-se insustentável, não se pode normalizar. O êxodo de mais de oito milhões de venezuelanos demonstra isso mesmo. Todos os venezuelanos dentro e fora do país pedem, aos gritos, a Maduro que se vá embora. A situação dentro do Governo é tão difícil que ninguém que ser ministro. Na última semana, violando a constituição venezuelana, Maduro teve de nomear um colombiano, Alex Saab, como ministro do seu gabinete em relação à indústria e comércio e uma cubana, Leticia Gómez na área do Turismo. Algo incrível. Espero que depois de 10 de janeiro a Venezuela volte à normalidade com a chegada de Edmundo González Urrutia.