Escrevo estas linhas na manhã de dia 6, acordado pela vitória esmagadora de Donald Trump nas eleições americanas.
Perdoar-me-ão a vanglória, mas previ estes resultados na coluna da semana passada e acho mesmo que fui a única pessoa em Portugal a fazê-lo publicamente. Talvez os colunistas do costume (os do sistema) não saibam ler sondagens, ou talvez estejam demasiados cegos pelos seus desejos e preconceitos.
Antes do ‘e agora’, o porquê? A razão mais simples é também a mais óbvia: os americanos não estão tão divididos como se julgava, existindo uma clara maioria que se identifica com Trump, com o seu estilo, com as suas causas e com as suas propostas. Uma maioria que está farta das amarras do politicamente correto, das guerras identitárias artificiais e da constante autocensura que elas impõem. Uma maioria alienada do poder pelas agendas ideológicas rebarbativas nascidas nas academias, fruto da ociosidade de meninos privilegiados, que gradualmente tomaram conta do governo, das empresas e da administração pública. Uma maioria, (sim, provinciana!), que sente as suas comunidades e a sua identidade tradicional postas em causa pela imigração e, também, pelo progresso acelerado. Uma maioria que, não obstante a enorme pujança agregada da economia – a inveja do Ocidente –, não sente nos bolsos essa bonança, mas antes os efeitos do brutal aumento dos preços nos primeiros anos de Biden e da consequente queda nos salários reais, (cuja recuperação recente ainda não compensou). E claro, no topo disto, a imensa fraqueza do ticket Harris/Walz que achava que, como em Hollywood, restituir a alegria chegava.
E agora Europa? A UE será a região geoestratégica mais duramente impactada por uma administração Trump. Destaco três planos. À cabeça, mas não o mais importante, o económico, em consequência de uma eventual guerra tarifária. Depois, o plano regulatório: com Trump assistir-se-á a uma grande redução da presença do estado administrativo na economia (os reguladores ditos independentes), o que libertará ainda mais, (para o bem e para o mal), a pujança do capitalismo americano; em contraste, a UE encontra-se enleada em agendas regulatórias, muitas vezes preventivas, e frequentemente inibidoras da inovação, da criação de empresas e do enriquecimento coletivo. Finalmente, e o mais importante, a defesa coletiva. Os europeus vão deixar de poder ter como garantido o chapéu de chuva norte americano (e logo no meio de uma tempestade). Pode ser que baste pagar mais pela proteção, pode ser que não. De qualquer forma custará mais caro e utilizará recursos que estão a ser usados para outros fins.
Mas a eleição de Trump pode não ser necessariamente má para a UE. Basta que ela acorde com o abanão e se agigante com o desafio. Destacaria duas frentes em que se importaria uma ação decisiva: a defesa e o crescimento. A UE precisa de fazer do investimento em defesa a sua prioridade absoluta nos próximos anos, pois sem segurança não existem liberdades, nem valores, nem crescimento nem autonomia estratégica. A meta de 2% do PIB é insuficiente dado o estado de delapidação a que se chegou. O investimento deve ser feito de uma forma coordenada e para financiá-lo devem ir buscar-se fundos onde for necessário: emitindo dívida mútua, aos fundos de coesão, às verbas do “Next Generation EU” ou a outras políticas comunitárias. A segunda prioridade para reforçar a autonomia estratégica é o aumento da produtividade, como desenhou o relatório Draghi, assente em dois vetores: a desregulação da economia e o investimento em infraestruturas (incluindo indústrias de defesa) estratégicas.
Não me parece provável alguma destas coisas ocorra, pois nada aprendemos com o pré-aviso de 2016 e desperdiçámos oito anos. Mas é preciso ter esperança.
Professor universitário