Será que é chegada a hora de questionarmos alguns dos dogmas que moldaram a União Europeia? Em tempos de mudanças geopolíticas profundas, devemos encarar o federalismo como um possível caminho para a união das nações europeias – gostemos ou não do conceito?
Nas últimas décadas, a Europa tem-se deixado enredar em disputas internas e crises políticas, uma realidade que ficou evidente com as recentes tensões em França e Alemanha. Em Paris, o aumento das divisões sociais e políticas torna-se um desafio constante para o governo, pondo à prova a capacidade de coesão nacional. Em Berlim, a ascensão de movimentos populistas e as críticas à política migratória refletem um ceticismo crescente em relação à orientação europeísta da Alemanha, criando novas fraturas no bloco, como é também evidente na última novidade do Chanceler alemão demitir o seu ministro das finanças, por continuar a estar em negação sobre a sustentabilidade financeira do país e não querer ouvir a má noticia das suas finanças.
E enquanto a Europa se debate com problemas internos, a paisagem internacional transforma-se de forma acelerada. A recente eleição de Donald Trump nos EUA, concordemos ou não com ele, trouxe consigo um discurso isolacionista e uma possível quebra de ligação com a Europa. Um afastamento dos EUA não só fragilizará o pilar da NATO como poderá representar uma maior vulnerabilidade para os países europeus.
Para além disso, temos uma Rússia empenhada em recuperar a sua influência histórica e a China a expandir cuidadosamente o seu poderio económico e digital. A Rússia procura restabelecer o seu império “Romanov”, estendendo a sua esfera de influência para além das fronteiras tradicionais. A China, por outro lado, aposta numa visão de longo prazo que envolve o controlo de dívidas de países em África e América Latina, dominando recursos estratégicos e ampliando a sua liderança em tecnologia e inovação mundial.
Neste contexto, faz sentido que a Europa continue a manter-se fragmentada e dependente dos interesses individuais de cada país? Ou será que chegou o momento de considerar seriamente um modelo de federalismo, ainda que este nos pareça desconfortável ou mesmo utópico? Jean Monnet, um dos fundadores da União Europeia, já advertia: “Continuem, continuem, não há futuro para os povos da Europa que não passe pela união.” Esta visão, que outrora parecia ambiciosa, pode agora ser uma necessidade prática para a sobrevivência e a relevância global do continente.
Mas a ideia de uma federação europeia levanta questões delicadas. Muitos europeus veem com desconfiança a possibilidade de abdicar da sua autonomia em prol de uma estrutura federal, preferindo manter uma união baseada na cooperação, mas com um alto grau de independência nacional que nos trouxe ao estado em que estamos! Será que o federalismo, como estrutura de união, pode representar um caminho mais forte para a Europa? Ou é uma ameaça à diversidade e autonomia que caracterizam o continente? Vamos lá discutir o tema?
A verdade é que, sem uma reforma profunda e relativamente rápida, a Europa arrisca-se a ser marginalizada no palco global, perdendo influência e capacidade de responder aos desafios do século XXI. Talvez a questão não seja tanto se queremos ou não o federalismo, mas se estamos dispostos a reavaliar as nossas opções para enfrentar um mundo cada vez mais complexo e competitivo.
Assim, enquanto continuamos a refletir, a pergunta permanece: valerá a pena pensar no federalismo como uma solução para a Europa?