Muros que separam países e famílias

Em diferentes regiões do mundo existem barreiras que representam a força dos mais fortes perante a fragilidade dos fracos. Pese embora os motivos que justifiquem a sua criação, os muros são sempre pontos de conflito e intolerância.

Numa altura em que o mundo globalizado aproximou nações a nível social, cultural e político, ainda encontramos muros – fronteiras artificiais – que separam países, dividem famílias e mostram uma difícil relação entre Estados. As origens dos conflitos dependem de vários fatores: migrações em larga escala, terrorismo, divisões religiosas, contrabando, legado colonial e emergências climáticas e ambientais. Assistimos a isso na América do Norte, Europa, África e Ásia, todos eles pelo mesmo motivo: evitar a entrada em larga escala de migrantes, traficantes e inimigos. O muro mais emblemático da história estava em Berlim. Foi criado em 1961 e dividia a cidade entre a democracia da RFA e a ditadura comunista da RDA. A sua queda em 1989 significou também o princípio do fim da União Soviética. Mas o conceito não caiu e há muito outros muros por esse mundo fora.

Desde 1994 que os EUA estão a construir um muro na fronteira com o México. Na realidade, não se trata de um muro, mas sim de conjunto de muros e cercas ao longo de 1.130 quilómetros que passam pelos estados do Arizona, Texas, Novo México e Califórnia. Essas barreiras são consideradas um símbolo da atual ordem geopolítica no continente americano e da divisão entre os países do norte desenvolvido e do sul subdesenvolvido. No seu primeiro mandato, Donald Trump gastou 15 milhões de dólares para erguer barreiras na região fronteiriça, que inclui reservas e parques naturais e territórios indígenas, e a administração Biden construiu mais 32 quilómetros de muro no sul do Texas. Durante o seu mandato mais de 6,3 milhões de pessoas foram detidas ao tentarem entrar nos EUA pela fronteira sul. No regresso à Casa Branca, Trump já fez saber que vai concluir a construção do muro e introduzir uma série de propostas para evitar a entrada de estrangeiros.

Estranhamente, esse muro começou a ser construído no mesmo ano da criação da NAFTA (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio), que tinha por objetivo proporcionar uma maior integração entre os países-membros que incluía também o Canadá. Em algumas zonas é uma simples parede com proteções no topo, noutros pontos existem dois muros com nove metros de altura e um espaço entre eles. Em alguns locais o muro separa várias cidades e há famílias que ficaram divididas e sem poderem ter contactos permanentes. Para atenuar o efeito dessa separação foram colocados baloiços nas frestas do muro que separa os Estados Unidos e o México para as crianças brincarem.

É altamente vigiado pela Patrulha de Fronteira dos Estados Unidos e tem equipamentos detetores de movimento e outras formas de controlar os movimentos na fronteira. Dados do Departamento de Segurança Interna afirmaram que, em algumas zonas, a entrada ilegal foi reduzida em quase 90%.

Apesar do apertado controlo, os hispânicos continuam a entrar nos EUA, isso sem mencionar o número de pessoas que morrem durante o percurso, entregue quase sempre a traficantes de pessoas, os chamados “coiotes”. Um estudo relata que mais de cinco mil imigrantes morreram ao tentar ultrapassar a fronteira, muitas dessas mortes aconteceram nas áreas desérticas que se encontram entre os dois países.

Política e religião

O Muro de Israel, também conhecido como Muro da Cisjordânia, é uma barreira com aproximadamente 760 quilómetros de extensão e oito metros de altura entre e o território judeu, representado pelo Estado de Israel, o território árabe da Cisjordânia. Começou a ser construído em 2002 a pedido do primeiro-ministro israelita da altura Ariel Sharon. O objetivo foi criar uma zona de segurança para os judeus depois dos atentados terroristas que causaram vários mortos e estiveram na origem da Intifada II. O muro é constituído por vedações com trincheiras, barreiras eletrónicas vigiadas por câmaras, fossos antitanques, pontos de observação e patrulhas. Os palestinos referem-se a esta barreira como o muro de segregação racial e a comunidade internacional criticou bastante a sua existência. A difícil relação entre judeus e árabes na região da Palestina caiu por terra quando, a 7 de outubro de 2023, militantes palestinianos do Hamas derrubaram o muro em algumas zonas, entraram em Israel, mataram 1200 pessoas e fizeram centenas de prisioneiros, dando razão a Ariel Sharon.

Num território muito disputado, há quem considere que a construção do muro é uma ação para ocupar um pouco mais do território palestino que Israel ocupou desde a Guerra dos Seis Dias em 1967, já que o muro é ladeado em 90% da sua extensão por uma faixa de 60 metros de largura, estima-se que os “desvios” na construção desse muro já tenham ocupado cerca de 9% do território palestiniano. O Tribunal Internacional de Justiça de Haia declarou o muro ilegal em 2004, pois corta terras palestinas, isola 450 mil pessoas e separa os moradores de Jerusalém dos familiares que estão na Cisjordânia, só que Israel não respeitou a decisão e a construção da barreira prosseguiu.

Já as barreiras entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul remontam ao período da Guerra Fria. Os dois países entraram em guerra em 1948 e, após o cessar-fogo, foi estabelecida a Zona Desmilitarizada da Coreia (DMZ), onde podem transitar militares dos dois países, sem, contudo, cruzar a linha do outro país. Essa terra-de-ninguém é delimitada por cercas altas de arame farpado, está repleta de minas e tem mais de mil postos de vigia, onde milhares de soldados com armamentos convencionais e nucleares permanecem frente-a-frente há mais de meio século. Como nunca foi assinado um tratado de paz, os dois países consideram que estão em guerra, embora vivam uma situação de cessar-fogo.

O muro construído em 1977 separa dois países e regimes com ideologias completamente opostas: o norte comunista, antes apoiada pela URSS e agora por Putin, e o sul capitalista, sob influência dos Estados Unidos. Essa barreira é o último vestígio da guerra fria e, seguramente, o local mais perigoso do mundo. Tem 250 quilómetros de comprimento e quatro de largura ao longo do Paralelo 38, divide 122 aldeias, 240 estradas rodoviárias, ferrovias e separa cerca de um milhão de famílias. Em 1970, foram descobertos três túneis construídos por militares norte-coreanos que eram usados para ações de espionagem.

Há poucas semanas, a BBC divulgou imagens de satélite daquilo que alguns especialistas consideram ser um muro com cerca de três metros de altura que a Coreia do Norte está a construir na zona DMZ, perto da sua fronteira com a Coreia do Sul.

Porta da Europa

Ceuta e Melilla são duas cidades autónomas espanholas situadas em continente africano. Por esse motivo, são muitos os imigrantes africanos que se deslocam para essas áreas com o objetivo de alcançar território espanhol, o que levou as autoridades a criar dois muros que, na prática, separam a Europa de África. O primeiro encontra-se no estreito de Gibraltar, o outro está na costa oriental do Marrocos. As duas cidades estão cercadas por barreiras de arame farpado eletrificado que as separam de Marrocos. As barreiras metálicas com mais de três metros de altura em Ceuta têm oito quilómetros de extensão e as de Melilla tem 12 quilómetros e são patrulhadas dia e noite e têm sensores e câmaras de infravermelhos. Como muitas outras, estas barreiras destinam-se a evitar a imigração clandestina que começou nos anos 90, com milhares de pessoas a fugir das guerras, da fome e da miséria que afligem o continente africano.

Além destas barreiras, existem outros muros espalhados pelo mundo, como o que divide a República Dominicana e o Haiti e que começou a ser construído em 2022. A crise económica, os conflitos políticos e os desastres naturais têm levado os haitianos a refugiarem-se no país vizinho, onde encontram mais qualidade de vida. Segundo dados do Banco Mundial, 60% da população do Haiti vive na pobreza, ao passo que na República Dominicana esse valor é de 24%. Além disso, tem estabilidade política e social e é um destino de turismo diferente do vizinho Haiti.

Mais recentemente foi a África do Sul a avançar com a construção de um muro de betão de 160 quilómetros na fronteira com Moçambique para travar imigração ilegal e a criminalidade e que vai custar aos sul-africanos 2,7 milhões de euros. Ao contrário de outros casos, este muro é um desejo dos dois países de modo a aumentar a sua segurança interna. A primeira fase de construção do muro iniciou-se no final de 2023 e os primeiros 25 quilómetros estarão concluídos no início do próximo ano. Desde 2021 que a África do Sul mantém uma força de segurança especial ao longo da fronteira com Moçambique de modo a evitar entradas ilegais no país e limitar a exportação de carros roubados e outros bens para Moçambique, as autoridades estimam que cerca de 30 carros furtados eram enviados todos os meses para o país vizinho.