Querida avó,
Perguntavas recentemente como me sentia após a celebração do meu aniversário. Espero que o ano, que agora começa, seja um ano de desafios, de superação e de novas conquistas.
Embora tenha noção que, segundo a esperança média de vida, já não irei viver o dobro do que vivi até agora, ainda não ando pela casa a cantar «Ò tempo volta para trás/ Traz-me tudo o que eu perdi/ Tem pena e dá-me a vida/ A vida que eu já vivi», do saudoso Tony de Matos.
Pego no meu Boletim de Vacina, com mais do que 50 anos, e vejo que, embora amarelecido pelo tempo, a sua cor original é o bege. Esta semana leio uma notícia onde a diretora da DGS anunciava que os registos clínicos das crianças iam ter apenas uma cor, o amarelo. Um dia depois, o Ministério da Saúde obrigou-a a recuar e as cores predominantes continuam a ser o azul, para os rapazes, e o rosa, para as raparigas…
Ainda não aprendi a nadar, mas continuo a saber andar de bicicleta. Continuo a não gostar de azeitonas (devia ter ouvido mais a Maria de Lourdes Modesto), mas já como pimentos.
Recordo-me de ver na RTP o programa Falar Português, apresentado pela Edite Estrela. Graças ao meu défice de atenção o resultado de assistir aos programas podia ter sido melhor.
Não sou do tempo em que os pais tinham 4 filhos, ou mais. Mas sou do tempo em que é muito comum os filhos terem 4 pais.
Sou do tempo em que a Zita Seabra era comunista e andava na clandestinidade.
Recentemente uma britânica celebrou os seus 102 anos com um salto de paraquedas, para «motivar os idosos a não desistirem de nada». O mais radical que fiz até hoje foi o slide do Rock in Rio e a subida ao Pico. Aos 100 farei o mesmo.
Quando somos crianças temos muita pressa para crescer. Em adultos percebemos que passa tudo muito rápido.
Que importam os anos? O que realmente importa é que o melhor da vida é estar vivo!
Bjs
Querido neto,
Que bom teres celebrado mais um ano com muito trabalho, amor, e acima de tudo com muita saúde.
Belíssimas constatações as tuas. Ainda somos do tempo em que no dia de aniversário, passávamos o dia inteiro a receber chamadas de parabéns. Hoje já nem mensagens pessoais enviam. Escrevem um comentário no Facebook e “está despachado”.
Por falar em chamadas… acontece-me com cada uma…
Todos sabemos como as vozes ficam distorcidas através de altifalantes. Mas que as palavras se pudessem transformar noutras – isso nunca me tinha acontecido.
Estava eu na sala de espera de um centro de saúde, aguardando que do altifalante uma voz dissesse o meu nome.
Li o jornal, tirei da mala o livrinho só com palavras cruzadas que trago sempre comigo – ao mesmo tempo que ia ouvindo os nomes que desfilavam.
Até que a espera me pareceu longa demais, e lá fui ao balcão de informações saber o que se passava.
«Já foi chamada há mais de meia hora!», gritaram-me, «estão para ali na conversa, nem ouvem e depois queixam-se!».
Eu não tinha estado na conversa e oiço muito bem!
Voltei a protestar, ela voltou também a protestar, até que a consegui convencer a ir ver o que se passava. Não demorou nem cinco minutos.
«Claro que a chamaram, está aqui: Maria de Jesus Pereira. Chamaram-na até mais do que uma vez…».
Expliquei-lhe, com a maior calma possível, que não me chamo Maria, Pereira é um dos vários apelidos, mas não o último nem o penúltimo. Digo-lhe que até estou habituada a que me chamem Alice de Jesus Fonseca, os primeiros e o último, mas nunca Maria de Jesus Pereira.
Olha para mim e encolhe os ombros:
«Se a gente se fosse a preocupar com pormenores desses…».
E lá me mandou entrar.
Quando eu ia a passar, um dos utentes sorriu para mim e disse-me:
«Aqui é sempre assim! Por isso quando chamam por alguém eu levanto-me logo e avanço. Se não for eu… paciência».
Aprendi a lição. E vou segui-la.
Bjs