Em Portugal paga-se mais do que a média da União Europeia no que diz respeito às telecomunicações. Este é um dos alertas que tem vindo a ser feito pela Autoridade Nacional das Comunicações (Anacom) com base em dados oficiais. Com a entrada da Digi tudo pode mudar. Mas já lá vamos.
De acordo com o Eurostat, «em 2023 o nível de preços das comunicações em Portugal encontrava-se 10,9% acima da média da UE. Portugal encontrava-se na 11.ª posição entre os países da UE com os preços das comunicações mais elevados (12.º posição em 2022)», recorda o regulador ao Nascer do SOL.
Mas há outros dados. Segundo o estudo Mobile and Fixed Broadband Prices in Europe 2022, publicado pela Comissão Europeia em abril deste ano, analisando a MEO, Vodafone e NOS, os preços das ofertas para perfis de utilização ‘4P’, que combinam a banda larga fixa, o serviço telefónico fixo, o serviço de distribuição de sinais de TV por subscrição e os serviços móveis no telemóvel, encontravam-se entre 7% e 37% acima da média da UE. «Os preços praticados em Portugal ocupavam-se entre o 14.º e o 26.º lugar do ranking da UE, consoante o perfil de utilização», destaca o estudo.
Ao nosso jornal, o regulador da telecomunicações recorda ainda a publicação ‘O setor das comunicações em 2023’, «onde é efetuada uma comparação internacional de preços em Portugal com os países da UE pertencentes à OCDE (22 países), para o serviço telefónico móvel, o serviço telefónico fixo e os serviços em pacote de Portugal».
Destes dados verifica-se que «relativamente à voz móvel, verificou-se que os preços praticados em Portugal em 2023 encontravam-se entre 5,1% e 13,7% abaixo da média da UE. Quanto às ofertas que conjugavam voz móvel e Internet no telemóvel, os preços em Portugal eram entre 3,5% e 50% inferiores à média da UE para todos os perfis de utilização, com exceção dos perfis de elevado consumo de voz, onde Portugal apresentava preços entre 74% e 190,1% superiores à média».
Mas juntando vários anos, os dados da Anacom mostram que ao longo dos anos e em termos acumulados, os preços das telecomunicações aumentaram 22,7% desde o final de 2009 enquanto o IPC aumentou 31,8%. No entanto, nesse mesmo período os preços das telecomunicações na UE diminuíram 9,6%.
É preciso ‘base factual’
Já a Apritel tem defendido que os preços das telecomunicações em Portugal não estão assim tão diferentes do que se passa no resto da Europa e até têm seguido bom caminho. Ao Nascer do SOL, Pedro Mota Soares, secretário-geral da associação, defende que «a discussão sobre os preços das comunicações em Portugal carece de base factual», garantindo que o que tem existido «é um debate assente em perceções erradas e não se tem atendido às dinâmicas do consumo nem à evolução da oferta que o setor, no seu todo, tem colocado à disposição da população – a qual tem respondido positivamente, contrariando as narrativas negativas prevalecentes».
Pedro Mota Soares defende que as «abordagens tradicionais baseadas na evolução de índices de preços ou em comparações de perfis de consumo pré-definidos possuem várias limitações porque não captam as especificidades e a qualidade das ofertas nem o que é efetivamente consumido pelos subscritores de serviços de comunicações, sendo, por isso, bastante afetadas pelo crescimento do peso dos pacotes, por exemplo».
E adianta que, na verdade, «tem sido a própria Anacom a defender a necessidade de realização de um estudo de preços que compare o que é comparável, algo com que a Apritel concorda e que, refira-se, aguarda com expectativa um contacto do regulador no sentido de contribuir para o mesmo», defendendo ter a certeza de que «um estudo rigoroso e que esteja adaptado à realidade do mercado nacional vai comprovar que não só temos redes de elevada qualidade como temos preços baixos comparados com a média europeia». Até à data, acrescenta, «os únicos estudos que comparam realidades comparáveis foram realizados pela Apritel e pela Deco. Ambos apontam no mesmo sentido: os consumidores nacionais têm acesso a ofertas competitivas e das mais baratas na Europa».
Desde 2010, diz Pedro Mota Soares, «as receitas decresceram cerca de 10%, enquanto o número de serviços subscritos aumentou 29%, o que significa que os preços médios por serviço diminuíram substancialmente. E o tráfego consumido cresceu mais de 100%», acrescentando que de 2016 a 2023, o setor investiu cerca de 10 mil milhões de euros em Portugal, que diz que é superior à média europeia. «O rácio CAPEX/receitas é de 21,2% em Portugal, ao passo que a média europeia está nos 20,2%. Mais: a rentabilidade do investimento realizado pelos operadores nacionais está abaixo da registada na generalidade dos estados-membros da UE: 7,1% em Portugal vs. 7,7% de média europeia».
E atira que este setor pagou mais de 123 milhões de euros de taxas regulatórias à Anacom, ao Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) e à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) em 2023 – «um aumento superior a 70% face ao valor entregue em 2010. A título de exemplo, a taxa de atividade paga à Anacom cresceu 60% nos últimos cinco anos (de 2019 para 2024)».
Sobre o facto de nem sempre as opiniões da Apritel e da Anacom coincidirem, o regulador defende apenas que «os resultados poderão depender da fonte de informação utilizada e de metodologias de cálculo distintas», garantindo a Anacom que recorre a fontes oficiais.
Já a Apritel diz que, até à data, não existe o estudo prometido pela Anacom e que os dados mais recentes mostram que os preços dos pacotes 3P e 4P (triple play e quadruple play, respetivamente) situam-se bastante abaixo das médias europeias. «A Deco, por exemplo, concluiu que o nosso país tem uma das ofertas mais baratas de 4P da Europa e contava mesmo com a oferta mais barata de todas a nível de internet fixa standalone», diz Pedro Mota Soares, adiantando que, por sua vez, «de acordo com a New Street Research, Portugal está entre os países europeus com receita de comunicações eletrónicas per capita mais baixa».
E a entrada da Digi?
A entrada de uma nova operadora no mercado veio agitar as águas. No entanto, apesar dos preços mais baixos, vários utilizadores dizem ainda que a qualidade não está ao nível das operadoras já existentes no mercado nacional.
Sobre a entrada da Digi, a Anacom defende que, ao longo dos anos «tem manifestado diversas preocupações em relação à dinâmica concorrencial nos mercados de comunicações eletrónicas, tendo sido identificado no contexto do Leilão 5G que uma forma de mitigar essa situação passa pela redução das barreiras à entrada no mercado» e por isso espera que a Digi «materialize essa entrada e no exercício da sua atividade contribua para a dinamização do mercado, em benefício dos consumidores e utilizadores».
Por sua vez, Pedro Mota Soares adianta que não cabe à Apritel pronunciar-se sobre um operador em concreto. Mas diz que «a questão de fundo prende-se, no entanto, com os efeitos a médio e longo prazos das dinâmicas de mercado».
Relembrando que o relatório apresentado recentemente por Mario Draghi aponta a consolidação no setor como fundamental para que haja o investimento necessário em infraestruturas e desenvolvimento das redes, o responsável diz que «caminhando no sentido contrário, isto é, no da fragmentação, o setor pode encontrar um novo equilíbrio que resulte em menos investimento». E alerta que «daí advêm riscos como, por exemplo, o país poder perder a liderança nas redes de alta velocidade. O crescimento económico de Portugal está muito dependente da transição digital».
Por isso não tem dúvidas: «Com menos investimento nas infraestruturas, nas redes que tornam essa economia possível, há o sério risco de Portugal ficar para trás».
A verdade é que a presidente da Anacom, Sandra Maximiano, já assumiu em entrevista ao Negócios e Antena 1 que «não é irrealista» esperar uma redução de 7% nos preços das telecomunicações e que até é «uma estimativa razoável». Isto devido à entrada da Digi.