A Nazaré sempre foi um destino de férias muito popular na zona Oeste, mas quando chegava o inverno tornava-se numa vila fantasma. Foi assim até ao dia em que ondas gigantes da Praia do Norte foram notícia, e a vila teve de se reinventar. Desde 2011, há turistas de todo o mundo o ano inteiro, embora as ondas grandes que quebram com violência nas falésias escarpadas só apareçam nos meses de inverno. A Nazaré passou de uma localidade que trabalhava nos meses de verão, com dois picos na Páscoa e na passagem de ano, para uma vila que se transformou e trabalha o ano inteiro, quase sempre ao ritmo de época alta.
A última edição do Big Wave Challenge teve lugar a 22 de janeiro deste ano, altura em que estiveram 45 mil pessoas na Praia do Norte, o que dá um acumulado de 150 mil pessoas desde 2017. São várias as atividades que saem beneficiadas com este evento. A indústria (conceção e fabrico de pranchas de surf, têxteis, acessórios e equipamentos), o comércio (artesanato), os serviços (surf turismo, clubes de surf, competições de surf, passeios de barcos à volta do Canhão da Nazaré, formação de surf, hotelaria e mercado imobiliário) são fortemente impulsionados durante a época das ondas gigantes, que este ano começou a 1 de novembro e termina a 31 de março de 2025. Nesse mesmo período regista-se um aumento da procura na área da restauração e hotelaria, já que o espetáculo do mar bravo continua a atrair milhares de pessoas. Na última edição estiveram num só dia 25 mil pessoas na Praia do Norte e um estudo local refere que a quantidade de turistas na Nazaré triplicou desde 2010.
Nova vida e nova gente
A restauração é um dos setores que ganhou vida nova com o fenómeno das ondas gigantes. Giuliana Azevedo trabalha há sete anos num restaurante na marginal [Avenida Manuel Remígio] e confirmou aquilo que todos veem: «A Nazaré mudou muito desde 2017. Foi um crescimento muito rápido», salientou. O ambiente também é completamente diferente, «há sempre muitos estrangeiros e animação durante o ano inteiro. Antes, as pessoas iam para a zona do farol para fugir da confusão do centro, hoje é o contrário, há muita gente na marginal para fugir da confusão da zona alta». As oportunidades de trabalho também aumentaram já que «os restaurantes só trabalhavam no verão, agora estão abertos o ano inteiro». Com os seus respeitáveis 65 anos, Maria Antónia é uma figura típica da praia e contou-nos que «a Nazaré sempre foi muito turística, mas nos últimos anos isto das ondas trouxe outra gente», disse numa alusão ao facto de a Nazaré se ter tornado moda. O Sítio é um local emblemático que permite contemplar a beleza do extenso areal. É aí que Luís Saldanha tem uma loja de artesanato e souvenirs dedicados à Nazaré e à Praia do Norte. «As ondas gigantes foram muito importantes para acabar com a sazonalidade. Antigamente, quase não havia gente no Sítio, as pessoas que aqui vinham era pela religião, para ir ao Santuário de Nossa Senhora da Nazaré e à Ermida da Memória», lembrou. «O verão continua a ser o ponto alto do turismo, mas o inverno é igualmente importante para o negócio, há sempre alguns dias na semana que são bons. A maioria dos visitantes são estrangeiros, talvez 70/30, mas isso não significa que gastem muito dinheiro em lembranças, mas é bom», reconheceu. O evento das ondas grandes continua a atrair imenso público e 69,5% dos visitantes são estrangeiros, com destaque para brasileiros, alemães, norte-americanos e franceses. A maioria dos visitantes têm idades compreendidas entre os 18 e 44 anos e 94% têm estudos académicos.
Um estudo realizado pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) refere que o Big Wave Challenge 2023 gerou um impacto direto de 2,5 milhões de euros e um impacto indireto de 520 mil euros num único dia, com uma receita fiscal estimada em 900 mil euros. Este valor não inclui os investimentos de patrocinadores e o impacto mediático que, segundo algumas estimativas, pode ter atingido nove milhões de euros. O transporte gerou 671 mil euros, a alimentação 592 mil euros, o alojamento 567 mil euros e os outros serviços 601 mil euros. Quanto a despesas, a organização gastou 800 mil euros no evento.
A Nazaré passou a fazer parte do World Surf Cities que reúne 16 cidades e vilas na Europa, América e Australásia (Austrália, Nova Zelândia, Nova Guiné e algumas ilhas menores da parte oriental da Indonésia). Esta rede é liderada pela cidade de San Sebastian, que tem sido exemplar na inovação e promoção da atividade económica local. Os objetivos são melhorar o posicionamento dos seus membros como destinos de turismo e promover a criação de novas empresas locais ligadas ao surf.
Mas nem tudo é perfeito e os residentes sentem que a vila perdeu identidade. Nos últimos anos perderam-se importantes tradições desde que o turismo associado às ondas grandes substituiu a pesca como principal atividade económica, a que se junta a especulação imobiliária, o crescente número de novos empreendimentos de investidores estrangeiros, a falta de regras para surfar as ondas gigantes e o desrespeito pelos locais dentro de água. «O preço das casas e as estadias nos hotéis aumentou consideravelmente. O arrendamento de um T1 custava 400 euros, agora pode custar entre 600 e 700 euros, e o preço de uma diária nos hotéis quase duplicou. Além disso, o custo de vida subiu e as pessoas sentem isso no dia a dia», contou Giuliana Azevedo.
Novas oportunidades
O próprio Garrett McNamara abriu, em 2013, a McNamara’s Surf & Gallery no centro da vila, criando um conceito único no mundo do surf; num só espaço combina surfshop e galeria. A loja vendia produtos oficiais Mcnamara’s, além das últimas tendências das melhores marcas ligadas a este desporto. A galeria permitia expor trabalhos ligados ao surf, recebendo diversos artistas nacionais e internacionais. «A Nazaré tem-me dado muito amor e apoio, e tem-me inspirado a fazer o que gosto. A minha visão para esta loja e galeria é que seja um lugar onde possamos conviver e inspirarmo-nos uns aos outros», disse o surfista havaiano, que está muito ligado a este local, foi na Praia do Norte se casou com Nicole, em 2012.
Outro local icónico é o Museu do Farol, situado no Forte de S. Miguel Arcanjo, onde estão expostas 40 pranchas oferecidas por surfistas que se aventuraram na Praia do Norte, algumas são históricas por cavalgaram as maiores ondas de sempre. O espaço foi inaugurado em 2015 e, o ano passado, teve mais de 500 mil visitantes – é o segundo local mais visitado em Portugal a seguir ao Mosteiro dos Jerónimos! O museu tem um ambiente bastante calmo e envolvente, bem diferente da adrenalina que os big riders vivem quando estão no mar. Parece uma caverna, com paredes de pedra escura e feixes de luz natural que entram por frestas no teto e pequenas janelas. Nesse espaço podemos ver a prancha com que Garrett McNamara bateu o recorde mundial da maior onda com 23,77 metros em 2011. «Desde o primeiro momento em que entrei neste edifício que soube que era mágico e especial. E que iria surfar aqui as maiores ondas do mundo. Aqui conheci alguns dos meus melhores amigos, que me ajudaram a conquistar o Guinness World Record. Todos os meus sonhos se tornaram realidade graças à Nazaré. Nunca é cedo ou tarde demais para encontrares a tua paixão e viveres os teus sonhos», escreveu McNamara. Está aberto todos os dias das 10h00 às 20h00 e a entrada custa dois euros (gratuita para crianças até aos 10 anos).