Bayrou, quintessência de Macron

O novo primeiro-ministro francês aposta no centrismo para sair da crise. A receita está condenada ao fracasso?

No dia 13 de Dezembro, François Bayrou foi nomeado por Emmanuel Macron primeiro-ministro de França e, enquanto muitos se perguntaram prontamente quanto tempo durará no cargo, recordou nas suas primeiras palavras que tal acontecia no aniversário de Henrique IV, monarca sobre o qual escreveu e que simboliza a reconciliação.

É curioso notar que esta escolha coincide com a de Mohammed Ben Abbes, no romance Submissão, de Michel Houellebecq, publicado em 2015. Nesta ficção que antecipa uma França islamizada, o candidato do partido Fraternidade Muçulmana enfrentava Marine Le Pen, da Frente Nacional, na segunda volta e, graças ao apoio de todos os outros partidos, seria eleito nas eleições presidenciais de 2022. Vitorioso, Ben Abbes nomeou Bayrou como primeiro-ministro. No livro, Alain Tanneur, explica à personagem principal porque é que considera esta escolha como «absolutamente genial»: «O que é extraordinário em Bayrou, o que o torna insubstituível é que é completamente imbecil, o seu projecto político está sempre limitado ao seu próprio desejo de aceder, seja por que meios for, àquilo a que se chama “magistratura suprema”; nunca teve, nem fingiu ter, a mais pequena ideia própria; uma tal ignorância é apesar de tudo bastante rara. Mas é isso mesmo que faz dele o homem político ideal para encarnar a noção de humanismo, tanto mais que Bayrou se toma por Henrique IV e por grande pacificador do diálogo inter-religioso; goza, aliás, de uma excelente cota de popularidade junto do eleitorado católico, que se sente tranquilizado pela imbecilidade dele. É precisamente disto que Ben Abbes precisa, ele que pretende acima de tudo encarnar um novo humanismo, apresentar o islão como forma acabada de um novo humanismo reunificador, e que é, de resto, perfeitamente sincero quando proclama o seu respeito pelas três religiões do Livro.»

Mas se, na ficção de Houellebecq, Bayrou é o símbolo da submissão da França à islamização, em nome de uma reconciliação, que representa a sua real nomeação como primeiro-ministro hoje?

Na actual República bloqueada e perante a ameaça de um consulado breve como o de Michel Barnier, seu antecessor, Bayrou insiste no diálogo para um entendimento e falou com os partidos representados na Assembleia Nacional, com a excepção de La France Insoumise (LFI), de extrema-esquerda, que recusou o encontro e é o partido que mais ataca o novo primeiro-ministro. À direita, Marine Le Pen, a líder parlamentar do Rassemblement National (RN) e Jordan Bardella, o presidente do partido, dão o benefício da dúvida, dizendo que as conversações correram bem e que houve respeito pelo RN.

Acontece que o cenário não se alterou e o desfecho será muito provavelmente o mesmo. A instabilidade criada pela falta de representação política e legitimidade dos governantes franceses, à qual acresce a astronómica dívida pública e problemas sociais de fundo, dificilmente será ultrapassada por alguém que não deseja qualquer mudança substancial.

François Bayrou representa a perfeita encarnação da mediocridade do extremo-centro que impõe o bloqueio na V República. Como afirmou Éric Zemmour em entrevista à BFMTV: «François Bayrou é Emmanuel Macron antes de Emmanuel Macron. Foi ele que inventou e conceptualizou o macronismo. Ou seja, desde os anos 90, depois do referendo sobre Maastricht, etc., compreendeu que o centro-direita e o centro-esquerda faziam a mesma política e era necessário uni-los.» Por isso, para o presidente do Reconquête, a esta escolha de primeiro-ministro é perfeitamente natural porque «François Bayrou é a quintessência do macronismo».