O agravamento da crise na habitação

O atual Governo deveria ter feito desde o início uma alteração radical da política da habitação.

Um dos maiores fracassos deste Governo consiste na sua política de habitação, ou melhor dizendo, na ausência dela. Efectivamente, a Habitação voltou a ser junta a um Ministério das Infraestruturas, o que leva a que a mesma seja ignorada. O Ministério está essencialmente preocupado com o novo aeroporto, que recebeu o nome do nosso maior épico, precisamente porque se prevê vir a ser uma epopeia a sua construção, com os custos já em subida estratosférica. Da mesma forma, o Ministério segue atentamente a telenovela permanente em que se transformou a TAP ou as greves sucessivas no sector dos transportes.  Pelo contrário, o contínuo agravamento da situação da habitação em Portugal não está seguramente no âmbito das suas preocupações.

Um estudo recente do Banco de Portugal demonstrou que os preços da habitação cresceram 83% em termos reais entre o final de 2013 e o final de 2023, estando sobrevalorizados há seis anos. Esse crescimento é mais do dobro superior ao que se verificou em Espanha, já que em Portugal entre 2014 e 2023 o crescimento médio dos preços foi de 6% ao ano, enquanto que em Espanha não ultrapassou os 3%.

A responsabilidade pelo surgimento da crise da habitação em Portugal é inteiramente do governo da geringonça e do Parlamento surgido das eleições de 2015. Efectivamente, a primeira medida que estes Governo e Parlamento tomaram foi a criação do imposto Mortágua, que só incide sobre prédios de habitação, levando a que os investidores prefiram os prédios comerciais, em que esse imposto não é pago. Tal reduz consideravelmente a oferta de prédios de habitação, além de constituir uma injustiça flagrante, uma vez que um prédio de habitação com rendas congeladas paga esse imposto, mas um centro comercial ou uma sede de um banco já não.

Outra medida tomada pelos governos do PS foi a prorrogação dos prazos de transição para o NRAU dos contratos de arrendamento anteriores a 1990, acabando essa transição por vir a ser proibida uma década depois, com grave lesão dos direitos e da confiança dos proprietários, apenas para proteger alguns inquilinos que pagam rendas fixadas em valores irrisórios, apesar de muitos terem elevadíssimos rendimentos. Aos proprietários atribui-se apenas um ridículo subsídio, com base em valores do imóvel desactualizados, e com uma carga burocrática tão grande que quase ninguém o recebe. Tal constitui mais um desincentivo a que os proprietários coloquem as suas casas no mercado de arrendamento.

Mas, para além disso, as leis do arrendamento têm sido alteradas desde 2015, sempre em sentido prejudicial aos proprietários. Alteraram-se prazos dos contratos de arrendamento, fixaram-se tectos às rendas, e chegou-se até a querer obrigar os proprietários a fazer arrendamentos à força, ao velho estilo do PREC. Tal conduziu a que hoje a maioria dos proprietários considere que o Estado de Direito não vigora neste sector em Portugal.

Precisamente por isso o Governo da AD e os partidos que o sustentam deveriam desde o início ter feito uma alteração radical da política da habitação, fazendo o país esquecer os maus anos dos Governos do PS. Fizeram, porém, exactamente o contrário, mantendo a política de habitação do Governo anterior.

Foi assim que os partidos da AD foram incapazes de apoiar no Parlamento a revogação do sinistro Mais Habitação, conforme proposto pela IL. E o Governo, depois de ter inscrito e no próprio Orçamento de Estado para 2025 que iria concluir a transição dos contratos de arrendamento antigos para o NRAU, veio a seguir dar o dito por não dito, mantendo mais uma vez a política do PS. E quanto à absolutamente necessária reforma do arrendamento, parece que estará entregue a um grupo de trabalho, que deve estar a operar na clandestinidade, pois nada se sabe da sua composição, quanto mais se alguma vez apresentará alguma proposta legislativa.

É por tudo isto que a situação na habitação se agrava todos os dias em Portugal perante a total inércia deste Governo.