O turismo gratuito

Seja a quem cá vive ou a quem nos visita, não pode ser vedado o acesso a cuidados de saúde em situação de urgência ou emergência.

A questão do acesso de não residentes aos cuidados gratuitos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) levantou celeuma entre as forças partidárias. A esquerda continua a defender que a porta da imigração, qualquer que seja o pretexto, deve estar sempre escancarada. Ainda que Mariana Vieira da Silva tenha assumido uma responsável posição de prudência, o que interessa ao PS é que haja uma balbúrdia que faça esquecer o seu legado no SNS e o impacto de decisões ideológicas que falharam na reforma da saúde.
E é demagógico dizer-se que o Governo se está a apropriar das causas do Chega. Este partido capitaliza, justamente, com a incompreensão da população face à agenda da esquerda negacionista, que quer manter a porta escancarada à imigração descontrolada, esgotando recursos já escassos.
Ainda que a discussão seja legítima, não pode haver lugar à hipocrisia. Refiro-me ao que Marta Temido escreveu num badalado artigo de opinião. São públicas as circunstâncias em que se demitiu do cargo de ministra da Saúde, depois de ter tido conhecimento do trágico falecimento de uma senhora residente na Sérvia, que tinha uma gravidez de risco e, quinze dias antes, viajara para Portugal. Ou seja, Temido conhece o assunto e até foi vítima dele!
O que destrói o consenso cívico, e inflama o populismo, é a ala esquerda do PS que rodeia Pedro Nuno Santos. Nesta fação campeiam Alexandra Leitão e Temido, com um discurso demagógico que nada fica a dever ao do Bloco de Esquerda.
Ora, qualquer pessoa que esteja ciente da realidade no terreno, em particular se for profissional de saúde, conhece situações de abuso, de forma muitas vezes organizada e agenciada. Há estrangeiros que, propositadamente, chegam a Portugal com o único objetivo de recorrer aos serviços do SNS. Sabem que, sem escrutínio, irão beneficiar de tratamentos de qualidade e gratuitos. Tratamentos, esses, que são inexistentes, ou muito onerosos e não comparticipados, nos seus países de origem.
Conhecem-se inúmeros casos de pessoas que se instalam temporariamente em Portugal, porque têm uma insuficiência renal terminal e querem beneficiar de hemodiálise gratuita e aguardar transplante, ou, sofrendo de hepatite C, recorrem aos nossos hospitais e ao acesso gratuito ao tratamento da doença. É consabido que, ao invés do que sucede noutros países, muitos deles europeus, o nosso SNS tem investido na erradicação desta doença de elevada morbilidade com recurso a antivírus, o que resultou na cura de 90% dos infetados. O combate à hepatite C é um sucesso do nosso SNS, à custa de um investimento muito elevado que poucos países quiseram fazer.
O mesmo sucede com a gravidez – nomeadamente a de risco -, que traz a Portugal pessoas com o fito de poderem beneficiar de serviços de obstetrícia. Em percentagem, os partos realizados a mães estrangeiras está nos 20%, o que equivale ao dobro das residentes não nacionais. Ora, é consensual que o SNS não tem capacidade para responder às necessidades da população residente, que, além de ser a sua clientela, é quem sustenta este serviço através dos impostos. Donde, é exigível que haja um escrutínio e sejam definidos critérios políticos para estipular as regras de acesso ao SNS.
Seja a quem cá vive ou a quem nos visita, não pode ser vedado o acesso a cuidados de saúde em situação de urgência ou emergência. Coisa diferente é que se tolere a utilização oportunista do SNS, em cuidados continuados e casos não urgentes. Urge por isso regular o acesso a serviços escassos, impedir a utilização indevida de recursos e não tolerar abusos por laxismo ou por preconceito ideológico.