Quem te avisa…

Montenegro deve levar a sério o aviso de Mário Centeno, mesmo sabendo-se que se trata de um juízo solitário, já que nenhum dos organismos nacionais e internacionais o secundam.

Mário Centeno, na pele de governador do Banco de Portugal, veio alertar o país para o facto de podermos estar à beira de regressar aos défices públicos. Depois de um Governo socialista ter conseguido dar a volta às Finanças e apresentar excedentes orçamentais, que não se viam há muitos anos, um Governo do PSD pode inverter a situação.
Aqui reside a primeira originalidade do tema.
O PS, que era o eterno responsável pela desregulação das contas públicas, acertou-as – e o PSD, que era o bombeiro de serviço que regularmente tinha de vir apagar os défices do PS, está sob a suspeição de levar o país a regressar ao vermelho.
Os papéis estão invertidos.
São ironias da história.
Que Pedro Nuno Santos não deixou de aproveitar para lançar um sério aviso ao Governo.
Aqui, porém, há qualquer coisa que não bate certo.
Não foi Pedro Nuno Santos que aprovou o fim das SCUT, contra a opinião do Executivo?
Não foi ainda Pedro Nuno Santos que tornou permanentes os aumentos das reformas, criando uma nova despesa estrutural?
Como é possível o líder do PS criticar o Governo por estar a pôr em perigo as contas públicas – e, ao mesmo tempo, ter aprovado medidas que significam um aumento significativo da despesa?
É por estas e por outras que as pessoas acreditam cada vez menos nos políticos.
Nesta história cheia de surpresas e contradições, há uma pessoa que não deve ser esquecida: Pedro Passos Coelho. Tendo sido o PS, com Fernando Medina ao leme das Finanças, o primeiro a apresentar excedentes orçamentais, a verdade é que o esforço de contenção orçamental vinha do tempo da troika e de Passos Coelho.
Este lutou, às vezes quase sozinho (contando com muitas pouco ajudas, entre as quais é de elementar justiça destacar Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque), para que Portugal cumprisse as metas da troika, sendo atacado por toda a esquerda e… pelo Partido Socialista.
O PS, que tinha conduzido Portugal à bancarrota, teve o desplante de atacar quem tentava arrancá-lo dessa situação!
Não foi bonito.
Foi mesmo muito feio.
António José Seguro pegou oportunisticamente numa frase de Passos Coelho dita noutro contexto – irmos ‘além da troika’ – para virar o bico ao prego, ignorar as responsabilidades do seu partido nessa questão e atirar ao Governo a lama que, em boa verdade, se devia destinar ao PS.
Seguro, que tem fama de ser sério, agiu de modo muito pouco sério.

Mas afinal é importante ou não um país ter as contas certas? Ao contrário do que a propaganda da esquerda diz, não é importante – é essencial. Em primeiro lugar, porque não lança novos encargos sobre as próximas gerações; e bastaria isto para as justificar.
Em segundo lugar, porque faz aumentar o rating da república, possibilitando a descida dos encargos com os juros das dívidas contraídas antes.
Em terceiro lugar, porque torna o país mais respeitado lá fora, olhado com mais consideração, tornando-se mais atraente sob todos os aspetos (a começar pelo investimento estrangeiro).
A boa reputação tem obviamente vantagens.
Sermos vistos como um país responsável, honesto e cumpridor, é evidentemente melhor do que sermos apresentados como as ovelhas ranhosas da Europa, como sucedeu durante largo tempo.
Cavaco Silva contou-me como testemunhou com os seus próprios olhos, durante o período da troika, a importância de Portugal ser visto lá fora como um país cumpridor.

Por tudo isto, o Governo deve levar a sério o aviso de Mário Centeno, mesmo sabendo-se que se trata de um juízo solitário, já que nenhum dos organismos nacionais e internacionais o secundam. Mas Montenegro não pode correr o risco de estragar a imagem de um partido que se distinguiu exatamente por ser responsável e pugnar contra os défices crónicos e contra a irresponsabilidade do PS. Não pode correr o risco de estragar a imagem de um país que, após décadas de desaforo, entrou na ordem e até é visto como um exemplo.
Um país que durante muito tempo fez parte do grupo dos PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha), e surge hoje como um bom aluno e até como um modelo para a França e a Alemanha!
Luís Montenegro, que tem alguma tendência para agradar e ser um mãos-largas, não pode desperdiçar este capital que o PSD sempre teve e que Portugal conquistou há pouco.