O aproveitamento político em torno da ribeira de Algés, no mandato autárquico atual, tem sido uma história lamentável. Para quem não conhece, este curso de água nasce na Buraca (concelho da Amadora), passa por Lisboa e Oeiras, volta a entrar em Lisboa e desagua no Tejo (junto à Doca de Pedrouços). É, pois, uma ribeira intermunicipal.
Este curso de água tem um problema central: recolhe água de diversos concelhos, os quais, devido ao desenvolvimento urbano da região da capital, têm os solos junto à ribeira impermeabilizados. A ribeira tem troços que correm a céu aberto e, já em Oeiras, outros encanados (para quem conhece Algés, na zona da Av. dos Bombeiros Voluntários, no Largo Comandante Augusto Madureira). Acontece que, pela dita impermeabilização a montante de Oeiras, a água não é absorvida, criando problemas na zona na qual a ribeira é encanada.
Dado que a secção do cano não é mais suficiente para alturas de chuva intensa, a ribeira transvaza, causando cheias. Para resolver o problema é necessário fazer duas intervenções: duplicar a capacidade da zona encanada (de modo a não haver transvase), e aumentar a capacidade da zona na qual desagua (300 metros já no território Lisboa), sem a qual de nada vale duplicar a secção.
Em 2009, na sequência das cheias do ano anterior (2008), e do presidente Isaltino Morais ter assumido disponibilidade do Município de Oeiras suportar até 50% das obras a terem lugar no território do Concelho, foi assinado um protocolo entre o Instituto da Água e o Município. O Governo de então caiu e nenhum dos seguintes, até ao atual, consumou a responsabilidade (já assumida) de realizar as intervenções.
Isto até à última semana, quando, numa reunião entre o presidente da Câmara e a ministra do Ambiente, ficou acordado a assinatura de dois protocolos, para solução definitiva do problema.
Esta história não devia ter discussão, mas lamentavelmente tem tido, quase toda ela suportada por narrativas falsas e do pós-verdade: que diziam dever ser a Câmara de Oeiras custear toda a intervenção.
Urge perguntar: pode um Município fazer obra em território alheio? Claro que não, mas tristemente é possível argumentar a favor disto sem que ninguém pergunte como.
A discussão em torno da ribeira de Algés é um reflexo dos tempos políticos que vivemos. Onde a mentira passa por verdade e nos quais nem sequer há vergonha de mentir.
Imagine-se uma obra que deve ser custeada pelo Governo, e na qual o Município, por entender que é urgente empurrar o Governo a decidir se propõe pagar até 50% da mesma, ser totalmente suportada pelos cofres municipais.
Quando falamos de dinheiro público, falamos de dinheiro dos contribuintes, no caso, dos munícipes. Os oeirenses são por norma solidários, ou não fosse este o Concelho mais desenvolvido do país, mas dificilmente poderiam compreender a quebra da autoridade da Câmara nas revindicações dos direitos de Oeiras junto do Estado. Passo a explicar: como poderia a Câmara, e o seu presidente, pressionar no futuro um qualquer Governo a fazer uma qualquer intervenção de sua competência, quando este a assume totalmente.
Felizmente, que a narrativa foi quebrada com o acordo agora assumido pelo Governo. Todavia, nem assim o populismo desiste. Nem perante a verdade, nem perante os factos.
São tempos muito difíceis para fazer política. A comunicação social, que tem o dever de ser intermediário não estuda, e assume como boas as reivindicações de quem ‘berra’ contra quem quer fazer.
Na política não pode haver lugar à máxima que diz que não deixes a verdade estragar uma boa história.
Uma ‘narrativa de Natal’ estragada por um acordo com o Governo
A discussão em torno da ribeira de Algés é um reflexo dos tempos políticos que vivemos. Onde a mentira passa por verdade e nos quais nem sequer há vergonha de mentir.