Querida avó,
Ainda sobre o Natal, a festa que simboliza a tradição e vive de inúmeras mudanças que projetam o futuro, unindo gerações.
Tenho assistido a inúmeros espetáculos circenses que passam na televisão. O meu alter-ego nunca passou por este tipo de espetáculo. No entanto, desde pequeno, fico deslumbrado com esta manifestação artística e popular que consiste num grupo de artistas, com habilidades distintas, como malabaristas, mágicos, acrobatas, contorcionistas, palhaços, e muitas mais artes, que geralmente são itinerantes, levando a magia do Circo de norte a sul do país.
Recordo-me de na escola primária, ter tido um colega (por duas semanas) que era filho de um atirador de facas e da sua assistente.
Ficávamos horas a ouvi-lo contar histórias sobre o pai a atirar punhais ou facas para uma prancha giratória, na qual se encontrava a sua mãe.
Nós boquiabertos com a responsabilidade do pai da criatura e com os riscos que a mãe corria diariamente. Para ele era como se fosse filho dos palhaços ou do apresentador do Circo.
A partir do ano que começa na próxima semana os circos estão proibidos de terem animais selvagens. Mais uma tradição que muda e que não é consensual.
Para além do já tradicional espetáculo White Christmas, os manos Feist este ano estrearam o belíssimo Merry Poppin’ Christmas. Um musical inspirado na obra Um Conto de Natal de Charles Dickens. Um reencontro, surpreendente, de diversas personagens do nosso imaginário infantil.
O que continua a ser uma tradição para mim é, no dia 25 de dezembro, ir ao Casino Lisboa assistir ao concerto de Natal do grupo Gospel Collective. Se a música tem poder transformador, o gospel tem a capacidade de apelar à Paz, Alegria e Esperança, precisamente o que te desejo para o próximo ano.
Bom Ano querida avó.
Bjs
Querido neto,
Neste momento em que há circos por toda a parte e até na televisão é que eu me lembro de um espetáculo que vi em criança e que me fez ficar a odiar o circo. Até à semana passada, quando me preparava para escrever este texto.
Mas eu vou explicar.
Tudo começou no princípio dos anos 50. Os tios com quem eu vivia tinham comprado uma data de bilhetes para a família toda ir ao Circo. Havia palhaços, animais domesticados, música – mas a vedeta principal era uma jovem trapezista espanhola chamada Pinito del Oro. Até me fazia doer o pescoço olhar tão lá para cima e vê-la atuar. Até que, de repente, se ouvem gritos por toda a parte: Pinito del Oro tinha caído do trapézio e estava no chão sem dar acordo de vida.
Os meus tios tapavam-me os olhos para eu não ver – mas eu já tinha visto tudo: estava uma mulher morta na minha frente. Eu nunca tinha visto uma pessoa morta.
Ela foi retirada da arena numa maca, todo o corpo coberto por um lençol.
E o espetáculo, evidentemente, acabou ali.
Lembro-me de vir a chorar o caminho todo e de jurar que nunca mais na minha vida iria ao circo. O que cumpri religiosamente – até à semana passada, quando, ao pesquisar o nome de Pinito del Oro, para escrever esta crónica, venho a descobrir que aquilo era um truque da senhora, deixar que todos pensassem que tinha morrido e ela raspar-se sã e salva para Espanha. Ninguém se preocupava em saber o que tinha acontecido depois das quedas – e assim ela foi atuando pelo mundo inteiro, nunca repetindo um país, claro, e morreu tranquilamente com a provecta idade de 86 anos, e muito dinheiro na carteira.
Nunca lhe perdoarei estes anos todos em que chorei a sua morte, e este ano – garanto! – hei de ir a vários circos e ver todos os que passarem na televisão.
Bom Ano querido neto. Que os teus projetos tenham muito sucesso. Acima de tudo que tenhas muita saúde.
Bjs