A Revolução da Direita. Medo ou esperança?

O que está a acontecer não é a renovada irrupção inexplicável de forças negras quando tudo corria bem nas democracias liberais. Algo aconteceu e algo de novo está a surgir e a sedimentar-se, e trata-se de um movimento de esperança.

Trump, Milei e Bukele formam um triunvirato que nos pode ajudar a pensar uma mutação determinante numa visão que se pretendia hegemónica e detentora do bem supremo da civilização.

Estes nomes interessam principalmente como sintomas dessa mudança e seriam impensáveis ainda só há algumas décadas. Uma mudança política e ideológica profunda está em curso, já não se trata de acontecimentos episódicos, há uma revolução em marcha. Que revolução é essa e que características tem?

Na Ocidente, o poder hegemónico liberal e socialista sofre derrotas consecutivas. O controlo total que tinham sobre o pensamento que era único e os mecanismos de vigilância estão a ser abalados.

O projeto dos engenheiros sociais do progressismo e os seus ativismos, a própria ideologia liberal cultural e esquerdista no plano societal, a promessa de um paraíso materialista do novo liberalismo revelaram-se um conjunto de ficções geradoras de um grau de destruição de consequências ainda sobrestimadas. As pessoas estão a acordar, mas precisamente contra a brutalidade do liberalismo económico globalista e do wokismo progressista. Esta ideologia que junta a obsolescência dos objetos para o crescimento insano da produção e do consumo com a obsolescência do nosso modo de ser e estar tornou-se insuportável. As desigualdades económicas e uma prosperidade cada vez mais questionável, assim como a hipocrisia e mediocridade das elites afastaram de modo irreversível as pessoa deste sistema liberal e socialista.

 A ditadura dos mercados, do globalismo económico e das elites transnacionais com o manicómio esquerdista elitista e as suas taras sobre o género, os vitimismos, o pensamento único, o politicamente correto, o ódio ao ocidente e aos valores fundamentais está em erosão. O ocidente transformou-se num problema económico sério, mas também psiquiátrico e principalmente moral e axiológico.

O que está a acontecer não é a renovada irrupção inexplicável de forças negras quando tudo corria bem nas democracias liberais. Algo aconteceu e algo de novo está a surgir e a sedimentar-se, e trata-se de um movimento de esperança.

A promessa que o sistema liberal progressista geraria uma paz universal e um progresso e felicidade crescentes revelou-se um grande embuste, apesar das melhorias notáveis proporcionadas pelo desenvolvimento tecnológico. A desregulação económica, social, axiológica e o novo totalitarismo das elites transnacionais deixou de ser inquestionado para o homem comum. Esta democracia liberal não é boa, e o amanhã não é melhor que o de hoje e assim sucessivamente, onde todos seríamos cada vez mais felizes e evoluídos. O urgente fight de Trump vence o joy narcótico Kamaliano.

A história não findou com a queda do muro de Berlim, nem o mundo se transformou num conjunto de repúblicas liberais unificadas pelo liberalismo e pelo progressismo. O modelo das grandes corporações e oligopólios globalistas e o mundo como o seu mercado, que se deve designar livre irmanados com a nova elite de esquerda e as suas taras desenraizadoras de um mundo sem sexo, sem fronteiras e sem identidades, está a colapsar.

A mitologia do novo liberalismo e do esquerdismo, o seu trabalho subtil de manipulação e controlo das populações está a ser exposto. A sua elite que pretendia um poder inédito na história está finalmente patenteada, assim como o seu projeto de ser imune a qualquer escrutínio, pretendendo instituir um tipo de governo mundial sombra com os seus sobas políticos e bonzos culturais e mediáticos em cada país. O modelo económico liberal também não convenceu todos os povos do planeta.

O trabalho de homogeneização deste sistema subalternizou de modo profundo a independência dos políticos e a democracia no ocidente. Os políticos tornaram-se funcionários de um poder superior e o Estado serve para criar leis e proteger esse mesmo poder globalista.

A reação contra uma oposição ao sistema que este não está a controlar tem também demonstrado o vazio político deste mesmo sistema. Há coligações de liberais socialistas com conservadores e com esquerdistas radicais, de democratas cristãos com socialistas ferozmente ateus, liberais estatistas e esquerdistas, centrando-se unicamente na perpetuação do poder, satisfazendo os “donos” do capital e as suas “clientelas” elitistas.

A vaga antissistema que surge, por sua vez, é diabolizada como direita extremista, por oposição à direita boa, a do sistema, que pode ser liberal, socialista, esquerdista e conservadora, ou seja, nada.

Desde o fim da II guerra mundial que a direita foi conotada com sinistras ideologias nazis e fascistas, e a esquerda, apesar da brutalidade idêntica, aparecia com benévola e sinónimo de bem. A direita desapareceu, tal como a verdadeira esquerda, sobraram uns resquícios assimilados pelo novo liberalismo e a sua máquina imparável do capitalismo global e da sociedade e democracia mercado. Ainda assim, entre os anos 50 e 80 na Europa houve uma verdadeira preocupação democrática, patente, na submissão da economia e da política a práticas democráticas, ao bem-estar das pessoas e das comunidades. Progressivamente um novo capitalismo crescia impondo um novo “deus”, o mercado e as suas dinâmicas, a que tudo se teria de submeter. Os melhores foram trabalhar para o sector privado, outros fecharam-se nas universidades, e a política ficou entregue a pessoa de menor qualidade e mais fáceis de cooptar por qualquer poder mais determinante.

 Os mercados tornam-se prioritários relativamente às pessoas, tal como o poder global das grandes corporações relativamente às soberanias nacionais. Os políticos dos Estados e as respetivas soberanias nacionais transformaram-se numa espécie de colonatos de um poder superior que dita as regras dos estados nacionais. Instituições como a União Europeia foram das primeiras grandes referências a serem tomadas por esse poder. O bem-estar social e económico seria cada vez mais uma ilusão, mecanismos como a dívida permitiram retirar toda a liberdade aos indivíduos e aos países e beneficiar cada vez mais muito poucos em detrimento dos muitos.

A diminuição do bem-estar económico e social real, o crescimento das desigualdades, vidas cada vez mais atomizadas e vazias, a destruição notória dos processos democráticos, o desprezo pelo homem comum, a ideia de bolha inacessível e de uma visão totalitária do mundo que é imposta, criou uma cisão abissal entre as pessoas e essas elites que detém o poder. O liberalismo foi também tomado totalmente pela sua vertente económica, o capitalismo predatório e amoral como defendia Hayek que não toleraria qualquer entrave à sua expansão. A política transformou-se apenas em manipulação das massas e a maioria dos média em agências de propaganda de um totalitarismo que se diz democrático e que produzia até a única oposição admissível, demonizando qualquer alternativa que não controlasse. As ideias de cordões sanitários, linhas vermelhas, tentativas jurídicas de eliminação dos verdadeiros opositores, o controlo dos média e da justiça defendidos por este sistema fazem da inquisição e mesmo da Gestapo e do KGB aprendizes. Os novos fascistas, extremistas de direitas, demagogos, populistas, são a rotulagem que espera qualquer alternativa que não seja uma falsificação produzida pelo sistema.

Neste caldo cada vez mais totalitário e disfarçado de democracia, qualquer revolução parecia impensável. O último vestígio aparentemente revolucionário no Ocidente data dos anos sessenta. O maio 68 e a contracultura foram as primeiras revoluções hiperliberais. Os esquerdistas desiludidos desse período tornam-se ou terroristas nas décadas seguintes, ou órfãos marxistas ressentidos nas universidades e jornais e outros transitaram para o liberalismo. Ainda há alguns vestígios de uma esquerda genuína, mas são mesmo já apenas alguns pontos de luz residuais, como Jean-Claude Michèa e Wolfgang Streeck. Homens que curiosamente se entenderiam em alguns aspetos com uma nova direita na necessidade de uma crítica a este capitalismo predatório, ao consumismo, à mercantilização de todas as esferas da vida, ao liberalismo vigente e às engenharias sociais do elitismo esquerdista que abandonou os trabalhadores e destruiu os laços comunitários em nome de egoísmo devastador que confunde com liberdade.

 É da área que se designa de direita, não, a do sistema, que surge agora uma nova revolução imprevisível. A primeira eleição de Trump marca a afirmação de algo revolucionário, ou seja, transformador no plano política e ideológico. Mas que direita e também suposto conservadorismo são estes? Deixemos a histeria aclamativa ou destrutiva e analisemos.

Faltam-nos ainda dados para caracterizar esta revolução mas já dispomos de algumas evidências para além do pânico do sistema hegemónico. O Reino Unido saiu da U.E., em França o R.N teve o maior número de votantes nas últimas eleições, na Alemanha a AfD está em primeiro lugar nas sondagens, em Itália temos Giulia Meloni como primeiro-ministro, a oeste e leste na Europa estas forças crescem solidamente em número de votos.

O que se passa no século XXI é substancialmente diferente do fim do século XIX, mas podemos encontrar pontos de filiação no que foi a revolução conservadora do fim do século XIX e início do século XX. Há pontos de contacto com a Nova Direita que surgiu no final dos anos sessenta em França, embora esta tenha fases muito distintas. Podemos e devemos recuar a toda uma tradição contrailuminsta, antimodernista e antiprogressista e que agora se parece confirmar, mas há sem dúvida muito mais.

 Este movimento no século XXI aceita a modernidade técnica, mas é inimigo da perversão da modernidade cultural dos valores do Iluminismo. Aceita um certo tradicionalismo que significa a preservação do que é imutável nas nossas raízes históricas, espirituais e civilizacionais e não tem raízes fascistas, vitalistas, orgânicas e totalitárias.

O fundo contrailuminista desta visão reconhece que não são possíveis sociedades estáveis e éticas regidas pelo progressismo que é a apologia do subjetivismo, do relativismo e dos trabalhos de morte. Há de facto verdades imutáveis, não precisamos de estar sempre a inventar a roda. A revolta contra o transcendente, a morte de deus e a divinização do humano que conduziu à atomização liberal e esquerdista do indivíduo são recusadas por esta nova revolução, que recusa o hiperliberalismo, mas defende aspetos liberais clássicos. Reconhecem que há uma guerra cultural em curso que tem contornos existenciais e importa recuperar posições nos média e na educação e na cultura contra o liberticídio progressista. Como consequência, é necessário travar um combate sem tréguas com as ideologias que defendem políticas da desagregação sobre a identidade, seja sexual, como nacional e cultural, que promovem o ódio ao ocidente e aos valores fundamentais da civilização.

A rejeição do sistema vigente liberal progressista e da respetiva ideologia do desenraizamento e da desestruturação é decisiva e não há qualquer possibilidade de negociação ou apaziguamento com esse adversário. Figuras como Donald Trump, Javier Milei e Naybe Bukele, são o exemplo dessa rutura radical, sendo eles, ainda assim, pessoas que faziam parte do sistema. Citamos esses nomes pelas conquistas extraordinárias que conseguiram no plano político. Estes nomes têm elementos distintos entre si nas suas políticas, mas unem-nos aspetos decisivos desse caráter revolucionário.

Milei, por exemplo, defende uma visão liberal libertária da economia, o que não é preconizado por Trump ou Bekele, contudo, são defensores do fim do estatismo e do socialismo, da importância da iniciativa privada e da liberdade económica, de direitos de propriedade sólidos, da existência de um Estado pequeno, mas forte na regulação e no seu papel de árbitro.

Como pontos unificadores decisivos encontramos a posição antissistema e até extrapartidária relativamente aos partidos tradicionais e à ideia de político profissional das últimas décadas.

A revalorização da religião, remetida que foi pelo progressismo para algo repugnante e atrasado, assim como da dimensão moral afastada da política e da economia pelas visões liberais, assentes apenas no jurídico e na remissão das conceções de bem para a esfera privada, é também decisiva, tal como a valorização da segurança e da ordem. Outros aspetos importantes são a defesa que cada comunidade tem uma cultura e uma história da qual é devedora, que deve herdar, aperfeiçoar, preservar e transmitir; a ideia que a nação, o país, a identidade, não são apenas elementos administrativos e burocráticos ou meras categorias jurídicas, mas qualidades identitárias fundamentais; que há valores mais duradouros e culturas melhores e outras piores, e existem valores absolutos e imutáveis que valem mais que os subjetivos e relativos.