Asituação política em Angola faz soar os alarmes. A alteração dos estatutos do MPLA, partido no poder, que resultou do congresso do partido em meados de dezembro tem sido visto como uma tentativa de João Lourenço, atual Presidente, para continuar ao leme do país, mesmo que indiretamente.
Mas as preocupações quanto à ordem constitucional e democrática não são de agora. Em 2023, em entrevista à agência de notícias francesa France 24, João Lourenço não fechou a porta a um terceiro mandato, o que implicaria uma reforma constitucional, já que os Presidentes estão limitados a apenas dois. Até os analistas da Economist Intelligence Unit (EIU), uma divisão de pesquisa da famosa revista The Economist, citados pelo Observador, disseram que João Lourenço se candidataria, contornando a Constituição.
Agostinho Canando, jurista angolano, afirmou à agência Deutsche Welle (DW) que um terceiro mandato seria «um descalabro para a política a nível nacional», acrescentando que «Angola precisa mesmo de crescer com novos cérebros, novas pessoas e não necessariamente ficarmos 10, 15, 30 anos com a mesma pessoa. Já está um pouco ultrapassada essa ideia de ter de se perpetuar no poder».
Abrir caminho à ‘bicefalia’
Ciente da polémica e dos tumultos que de tal decisão poderiam emergir, João Lourenço já pensou, e realizou, numa alternativa. No VIII Congresso Extraordinário do MPLA, em dezembro do ano passado, foi aprovada a proposta de alteração do artigo 120.º dos estatutos, abrindo a possibilidade para que o líder do partido e o Presidente sejam diferentes. Ou seja, em caso de abandonar a presidência, respeitando a Constituição, Lourenço continuará a ser o líder do MPLA, mesmo com outro Presidente, permitindo-lhe continuar a exercer a sua influência nas decisões presidenciais. É de relembrar que em 2018, quando surgiu esta possibilidade na sequência do abandono de José Eduardo dos Santos, João Lourenço esteve contra esta chamada “bicefalia”.
As opiniões dividem-se quanto esta jogada política com vista à perpetuação no poder. «As bicefalias são quase sempre falsas. No final, uma das cabeças acaba por ficar a mandar, mesmo que inicialmente ambas pareçam formar uma parceria. No caso angolano, a cabeça que ficar na Presidência da República será a cabeça mandante», escreveu Rui Verde, consultor jurídico, no Maka Angola. Celso Malavoloneke, alto membro do MPLA, discorda desta perspetiva, naturalmente: «É importante dizer que a bicefalia em si não é boa nem má, é algo que que existe e que os partidos, o MPLA e outros, podem ou não recorrer, em função da sua estratégia (…)», disse aos jornalistas, citado pela DW e como noticiado pelo Público. «É importante que não haja este preconceito (…) de que a bicefalia é algo necessariamente mau», continuou.
Naturalmente que um membro do partido não se poderia manifestar publicamente contra a bicefalia, mas parece ficar claro que, de modo a evitar a polémica da alteração constitucional, João Lourenço tem neste mecanismo uma forma eficaz para se perpetuar, até querer, no poder em Angola.
A economia
Angola é um país que continua a apresentar problemas económicos substanciais, mas, segundo o Banco Mundial, o último ano foi animador, muito devido ao aumento do preço do petróleo. «Após um modesto crescimento de 1% em 2023, devido principalmente a uma menor produção de petróleo, à depreciação da taxa de câmbio e ao aumento dos preços dos combustíveis, o PIB real registou um crescimento anual de 4,1% no primeiro trimestre de 2024.
Este valor representa a expansão anual mais significativa dos últimos nove anos. A retoma foi impulsionada por uma recuperação da produção petrolífera e por um desempenho robusto do sector dos serviços».
Contudo, os analistas do EIU reforçam que João Lourenço deveria focar a ação do seu segundo mandato na melhora das condições de vida gerais – porque mesmo tendo crescido, é um crescimento volátil que relega à pobreza uma parte da população – para voltar a ganhar popularidade.