Existem duas posições extremadas perante a questão da relação entre imigração e crime: de um lado os que acreditam que os números mostram inequivocamente que não existe causalidade entre imigração e crime e, do outro, aqueles que se agarram a alguns episódios de crime e insegurança para sustentar o oposto.
O principal argumento dos que rejeitam a associação é o facto de os números agregados revelarem que o aumento da imigração desde os mínimos de 2015 ter coexistido com uma redução do número de crimes reportados. Pura verdade, mas que, contudo, não é uma prova cabal, do mesmo modo que um aumento da criminalidade não significaria que a imigração a causou. Essas tendências desencontradas estabelecem apenas uma correlação, suficiente para não alimentar temores precipitados, mas insuficiente para concluir sobre uma relação de causa-efeito. O contrafactual relevante é saber qual teria sido a evolução da criminalidade se a imigração não tivesse aumentado. No outro extremo do argumento, o facto de na zona do Martim Moniz coexistirem uma grande concentração de imigrantes do ‘industão’ e uma grande uma incidência de certos tipos de crime, não significa que aquela imigração os cause: a coincidência pode ser totalmente espúria, devida a fatores terceiros que expliquem simultaneamente a concentração de imigrantes e a criminalidade, (designadamente a pobreza e a degradação urbana da zona). Primeira conclusão: O estudo da relação causal requer mais dados detalhados e metodologias estatísticas mais sofisticadas do que a mera análise de correlação. Penso, por exemplo, em análises discriminando a tipologia dos crimes, com controlo de fatores socioeconómicos, tendo em conta diferentes situações de integração, com a desagregação da origem étnica e cultural dos imigrantes e da sua idade e nível e educação. Um tal estudo deverá também ter em consideração efeitos dinâmicos que abarquem a criminalidade em diferentes gerações de imigrantes, (fenómeno de grande importância na Suécia, por exemplo). Tanto quanto sei estes estudos não foram realizados para Portugal. Sem eles a única resposta empiricamente sustentada que é possível dar à questão ‘a imigração causa o aumento de crime em Portugal?’ é que não se sabe.
Estou a referir-me ao crime. Crime e segurança pública são coisas distintas. O crime é aquilo que é objetivamente tipificado pela lei como tal. A segurança, por outro lado, tem uma importante componente subjetiva: resulta da perspetiva que cada um tem das suas próprias vulnerabilidades e de como lê os sinais provenientes do meio envolvente, perspetiva que, para uma mesma situação objetiva, varia consoante a idade, o género, o estatuto socioeconómico e a inserção social. Segunda conclusão: Não é possível definir uma relação unívoca entre crime e a segurança percebida. Por exemplo, a incivilidade engloba um conjunto vasto de comportamentos que, não sendo criminosos, suscitam no cidadão comum um sentimento de que o a normas sociais costumeiras estão a ser violadas e de que o seu espaço está a ser invadido gerando, assim, insegurança..
Já aqui expressei a ideia de que não acho que a imigração seja uma questão moral e que, portanto, não faz sentido ser-se em absoluto a ‘favor’ ou ‘contra’. Os prós e contras devem ser avaliados caso a caso e consoante as circunstâncias. Entre os elementos de avaliação a questão do crime e da segurança devem estar naturalmente presentes. Tal exige dados detalhados e muitos bons estudos, mas, sobretudo, abertura de espírito.
Professor universitário