A mediatizada assinatura das ordens executivas, logo após a tomada de posse de Trump, foi alvo de várias críticas, mas o que assustou, de facto, os detractores do costume foi o decisionismo do Presidente norte-americano. Tenhamos em conta duas das alterações políticas mais importantes: o fim do wokismo institucional e a implacável oposição à imigração ilegal.
Os EUA eram, até agora, os grandes impulsionadores e exportadores oficiais da ideologia de género, apesar de grande oposição interna, e o país com a imagem de uma terra aberta à imigração, apesar de as deportações serem política comum de presidentes democratas e republicanos. A este propósito, recorde-se que mais imigrantes foram repatriados nos mandatos de Biden e Obama que no mandato anterior de Trump. No entanto, o que agora acontece é uma mudança fundamental. Como primeira potência mundial, os Estados Unidos da América exercem uma influência desmesurada em todo o globo. A alteração declarada destas políticas e a sua imediata concretização é assim um exemplo, nomeadamente para os países europeus, onde o wokismo e a imigração maciça são ameaças flagrantes à sua identidade. A mensagem é simples e directa. Ao contrário do que os «especialistas» nos garantiam, é possível mudar. Nunca é tarde para agir e contrariar as medidas que nos têm trazido convulsões políticas, sociais e económicas. Mas há quem insista: não deveriam tais alterações ser discutidas e ponderadas de modo a chegarmos a um consenso?
Na sua Teologia Política (1922), Carl Schmitt, recorrendo-se de Donoso Cortés, escreve que o «liberalismo, com as suas consequências e compromissos, vive apenas no curto espaço de tempo em que é possível responder à pergunta “Cristo ou Barrabás?” solicitando um contrato ou com a instalação de uma comissão de inquérito». Pese embora a ironia feita a este relativismo, Schmitt explica que «uma tal atitude não é acidental, mas fundada na metafísica liberal». É fácil ver neste fundamento a genealogia das democracias liberais ocidentais, em que tantas vezes a discussão prorroga, quando não impede, a decisão. Na sua argumentação, Schmitt escreve que «tal como o liberalismo discute e transige em qualquer detalhe político, também gostaria de dissolver numa discussão a verdade metafísica». Isto porque, continua Schmitt seguindo Donoso, a essência do liberalismo é negociar, «é uma mediocridade que fica à espera, com a esperança de que a contraposição definitiva, a batalha decisiva sangrenta, possa ser transformada num debate parlamentar e ser eternamente suspensa por uma discussão eterna».
Partindo desta classificação do liberalismo, podemos chegar a uma nova definição de democracia iliberal. O termo foi inicialmente usado por Daniel A. Bell, para definir as alternativas moralmente legítimas na Ásia Oriental a uma democracia liberal de tipo ocidental. Posteriormente, foi popularizado por Fareed Zakaria, como alerta para as democracias que, por todo o mundo, estavam a render-se a reformas iliberais e cujos laços com as tradições democrática e liberal clássicas estavam a desgastar-se rapidamente.
E se a democracia iliberal for mais democrática do que a liberal, porque é a que dá mais poder real ao povo? É uma dúvida legítima sobre a legitimidade, semelhante à que se levanta nas discussões sobre a democracia directa.
E se Trump representar uma democracia iliberal, no sentido de agir segundo o seu programa de campanha depois de legitimado pelos eleitores?
É essa a mudança que, em especial deste lado do Atlântico, era até há pouco vista como impossível, porque qualquer mudança drástica implicaria, necessariamente, uma discussão que levasse ao consenso. Apesar de, como vimos em tantos casos, a vontade popular expressa nas urnas pelos eleitores europeus ser contrariada pelos parlamentos ou até pelos tribunais.
O decisionismo democrático de Trump pode não ser a solução, mas tem o mérito de mostrar que outra via é possível.