A história dos despedimentos no Bloco de Esquerda (BE) ilustra a sua ancestral incoerência. O ‘caso Robles’ foi o mais badalado, mas não esqueci o ataque de Francisco Louçã ao ex-correligionário Daniel Oliveira – acusando-o de sacrificar as suas convicções por cobiçar um lugar de secretário de Estado num governo do PS – quando este se limitara a reconhecer o óbvio: que os socialistas não podiam recusar as exigências do Tratado Orçamental e rejeitar os compromissos internacionais de Portugal. Só que Louçã não hesitou, com a ‘geringonça’, em assumir um lugar no conselho consultivo do Banco de Portugal que fiscaliza as regras do euro que se aplicam ao país…
Tivemos a ‘inventona’ da prisão perpétua do pai, ficcionada por Mariana Mortágua, e a impagável história sobre a ameaça de despejo à Avó, que fariam parte do anedotário nacional se não tivesse ‘habeas corpus’ da comunicação social. Continuam os reiterados negócios no alojamento local, a praga que o BE quer erradicar enquanto os seus ilustres militantes enchem os bolsos com a atividade. Foi assim que Carmo Afonso, advogada de Mortágua e moralista de serviço no X e até há pouco tempo no Público, enriqueceu: vendeu uma empresa de alojamento local e turismo, atividade que tantas vezes denunciou nos seus artigos, a interesses capitalistas de israelitas.
Tudo isso se inscreve num pseudomoralismo e numa falsa ética perfumados por um negacionismo que mascara uma nauseabunda hipocrisia. No caso recente, recorro à melhor fonte, a declaração do BE, citando o segundo parágrafo: «Face aos resultados das eleições legislativas de janeiro de 2022, o Bloco de Esquerda perdeu metade da subvenção mensal que recebia, reduziu a cerca de metade a sua rede de sedes e a sua estrutura profissional, em aproximadamente 30 pessoas.» Ou seja, o BE assume e justifica um despedimento coletivo com a redução no seu quadro de pessoal por ajustamento à perda de eleitores. Não questiono a legalidade da medida; ou a contratação de Catarina Martins, que depois dos despedimentos efetuados por falta de recursos, foi contratada e paga até à sua eleição para o Parlamento Europeu!
Mais do que o texto jornalístico, interessa-me outra fonte primária. No Facebook do BE, uma das funcionárias ‘libertadas’ escreveu: «Sou a trabalhadora com uma filha de nove meses despedida pelo BE em 2022. Fui despedida por telefone enquanto estava a trabalhar na sede (…). As recém mães não podem viajar, não trabalham 60h semana, não apagam fogos às 23h ou ao domingo.»
Mariana Mortágua acabou por assumir ‘erros e falhas’, em carta aos militantes, e foi forçada, depois e a contragosto a dar a cara em público. O que percebemos é que os direitos laborais das mulheres que trabalham no partido só passaram a ser relevantes depois da investigação jornalística, que a deputada denunciara em tom censório como ‘fake news’. É esta, portanto, a ética das líderes feministas do BE.
O que Mortágua nunca explicará é por que razão, em situações análogas, denuncia os malvados capitalistas. É que, quando uma empresa privada perde negócio e se vê forçada a despedir pessoal ou a cessar contratos de trabalho a termo certo, o BE indigna-se; e reclama contra a precariedade, acusando tudo e todos com a violência verbal e no tom indignado que caracterizam as irmãs Mortágua.
O BE pode continuar a enganar alguns, a ter uma influência desproporcionada, a defender uma moral e uma doutrina que só se aplicam aos outros. Mas não sobreviverá, se a hipocrisia fizer da ideologia que a dissimula um descartável e utilitário instrumento.
As manas de frei Tomás
O que Mortágua nunca explicará é por que razão, em situações análogas, denuncia os malvados capitalistas