‘A alteração à lei dos solos é mais uma demagogia levada ao extremo’

O secretário-geral da CAP diz que a alteração à lei dos solos tem pouco impacto na agricultura e lamenta que Portugal viva ‘de ideologias e de casinhos’. E questiona porque é que essa questão não foi levantada quando foram instalados painéis solares ou construídas autoestradas.

Na última entrevista ao Nascer do SOL disse que o próximo ministro da Agricultura tinha de ter poder político para assumir a pasta. José Manuel Fernandes responde a essa exigência?

Este ministro tem poder político, tem capacidade de diálogo e é uma pessoa com quem se pode falar, mas falta aparecer resultados. Era necessário, por exemplo, uma mudança ao nível dos serviços regionais e a CAP, no acordo de concertação que assinou, uma das condições que impôs era que houvesse um serviço regional agrícola com tutela direta ao ministro da Agricultura, coisa que não existia fruto da ideia de destruição do Ministério da Agricultura que o anterior Governo tinha e da sua integração nos serviços das CCDR [Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional]. Hoje, o ministro da Agricultura tem tutela direta e exclusiva sobre os serviços regionais que fazem parte da CCDR e que são exclusivamente agrícolas. Na prática, o que se pretende é que haja um apoio ao setor agrícola, mas um apoio que respondas às necessidades atuais dos agricultores que são diferentes das que existiam há dez ou há 20 anos e para isso têm de existir pessoas, meios e equipamentos e isso ainda não se viu.

A área florestal voltou ao Ministério da Agricultura…
Saiu do Ambiente e voltou para a Agricultura. Há um secretário das Florestas que depende exclusivamente do ministro da Agricultura.

O ministro já admitiu que a agricultura e as pescas são áreas estratégicas para o futuro de Portugal. Está a ser dada uma maior importância face ao que acontecia no passado?
Há uma abertura, há uma atenção e há uma capacidade de diálogo. Mas é preciso existirem resultados. É o que falta. Já em relação à Concertação Social, o Governo fez um acordo quando estava em dificuldade e precisava desse acordo para viabilizar a sua governação. No entanto, a concertação não pode ser apenas ‘fez-se o acordo’. Tem de ser um local em que haja uma valorização contínua e permanente dos assuntos, como é o caso da questão da imigração e da demografia. A Concertação não pode ser usada pelo Governo só quando dá jeito e é cumprir o acordo que foi assinado. A parte agrícola não está cumprida, foi criada uma medida de apoio à pecuária extensiva porque foi um dos setores que mais pancada levou com esta reforma da PAC [Política Agrícola Comum] e mais outros pontos que não estão a ser cumpridos.

Que resultados está à espera?
A questão da água é muito importante. O Governo apresentou a estratégia ‘Água que Une’, mas o setor não precisa de mais estratégias, nem de mais anúncios. Precisamos é de saber qual é o plano de investimentos, o valor anual e a obra que tem de se realizar numa estratégia a médio e a longo prazo.

E precisa de uma calendarização?
Uma calendarização com orçamentação. As coisas para serem feitas precisam de dinheiro. Qual é o ritmo? Qual é o volume financeiro? São 100 milhões, 300 milhões, 500 milhões, mil milhões? Estamos a falar do quê por ano? Não sei.

A estratégia já deveria ter sido apresentado em janeiro…
Supostamente era esse o calendário, mas só apresentou a estratégia aos ministros. Ainda não nos foi apresentado publicamente nada sobre essa matéria, mas espero que quando apresentarem avancem com o plano de realização das decisões que o Governo tomou. A equipa liderada pelo professor Carmona Rodrigues tem capacidade técnica, mas isso não chega. Tem de haver vontade política e dinheiro para o fazer. Tenho esperança que projetos inseridos no PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] que não sejam capazes de executar que transferiam parte dessa verba para que possa ser canalizada para este desígnio nacional e para esta necessidade nacional que é de colocarmos a água à disposição de todo o país. É necessário trazer água de onde chove para onde chove menos.

As tais autoestradas de água…
Quando falamos nisso, as pessoas pensam que a água pode vir num tubo, não é verdade, a água vem através dos rios que já existem, admito que, em alguns casos, seja preciso fazer ligações, mas são coisas curtas, o que é preciso é elevar a água para depois voltar a correr. Mas também é preciso desmistificar outra coisa: a água que está no Norte ou que está no Alentejo não é do Norte ou do Alentejo, é do país todo. É como a energia, a que se produz no Norte não fica só no Norte, o Algarve não produz energia e não vive às escuras. Temos de pensar como um todo. Temos de pensar numa necessidade de distribuir este bem essencial para o desenvolvimento das atividades não só agrícolas, mas também industriais e turísticas. Sem este fator distribuído com maior incidência do que a que temos hoje, o país não consegue desenvolver as suas capacidades.

Esta semana vimos algumas barragens cheias, mas vivemos sempre com a ameaça que o Algarve poderá não ter água suficiente…
Há quem diga que não se possa fazer mais barragens porque não enchem, mas se não houvesse barragens não estavam cheias. Temos uma situação de chuvas irregulares e que são cada vez mais irregulares e enquanto não se esgotar esta forma de gerir a água todas as outras soluções são mais caras, como é o caso das dessalinizadoras ou de outra situação qualquer. Primeiro é preciso reter água e depois fazer uma gestão eficiente. Não temos falta de água tendo em conta a que cai no território continental.

O problema é que é desperdiçada…
Sim e os números apontam para isso. O rio Douro só aproveita 7% do seu caudal, o rio Tejo 20% e o Guadiana 70%, esse sim está com um nível bastante bom. Os outros não, estão muito aquém da necessidade. Mas também não há mais rios para fazer Alquevas.

Nem rios, nem dinheiro…
Dinheiro há. Se podemos pôr três mil milhões na TAP e se eles desaparecem e nunca mais os vemos, o Alqueva não custou isso e com uma diferença já se viu o seu retorno. O próprio Estado meteu lá mil milhões e já recuperou em triplo esse dinheiro. Na TAP meteu três mil milhões, nunca o recuperou e nem o vai recuperar. O dinheiro não é do Estado. O dinheiro é das pessoas que vivem em Portugal. Este tipo de investimentos que têm retorno permitem desenvolver as regiões com mais dificuldades, criar novos empregos e criar riqueza em impostos com receitas para o Estado e este é o caminho para o país se desenvolver.

Daí a CAP defender a criação de uma rede nacional de água, tal como já existe na energia?
É isso que defendemos e espero que a estratégia ‘Água que Une’ venha consolidar e pôr em prática esse princípio. O Governo anunciou que iria apresentar em janeiro, já está um bocadinho atrasado, mas estamos à espera do resultado e depois não venham com mais planos. Queremos concretização.

Está otimista quanto às conclusões?
Sou um otimista. Os tempos não são fáceis porque vivemos numa situação ímpar a nível global com uma concretização de uma guerra comercial entre os Estados Unidos e os restantes parceiros com o aumento de tarifas. Já a Europa tem necessidade de aumentar a despesa na questão militar. Ainda esta semana esteve cá o secretário-geral da NATO e o Governo comprometeu-se com um aumento da despesa. E quando não queremos, nem podemos estar a diminuir na Saúde, nem na Educação, nem nas despesas sociais e se o dinheiro não estica então a fórmula tem de ser colocar o dinheiro onde possa ter retorno, e na água está mais do que provado que isso acontece. Existem outras soluções? Há. Há barragens que têm concessões para produção hidroelétrica, mas podem ser alteradas para multiusos e há casos em que a concessão está a chegar ao fim e, como tal, é negociar isso. Noutras pode-se aumentar as paredes das barragens e já existem estudos no LNEC. Há muitas soluções. É preciso é que haja vontade política e capacidade para implementar essas medidas.

Como a criação das pequenas charcas e de pequenas barragens?
Como já disse não há mais rios grandes para fazer Alquevas. Temos de ir a uma outra escala, a uma escala mais pequena, onde possam ser construídas pequenas barragens. E não havendo outra solução, essa é a melhor.

Mas são projetos recusados imediatamente pelos ambientalistas..
Os ambientalistas têm por princípio ser contra todas estas situações. Tenho vários exemplos dos riscos que apontam e que depois não se verificam. Um deles diz respeito à Ponte Vasco da Gama, diziam que os flamingos iriam desaparecer e hoje tem mais flamingos do que alguma vez houve. Outra é a famosa multa que Portugal pagou porque a estrada para o Algarve ia afastar as aves quando elas continuam lá. Aliás, deixam de existir quando deixar de haver atividade agrícola e quando deixar de haver comida. Um ambientalista é aquele que cuida do ambiente e muitas das propostas dessas organizações que se dizem ambientalistas são coisas sem nexo nenhum. Por outro lado, são contra as estufas, mas depois querem comer tomate no inverno. Muitas das suas posições são incoerentes, não são todas. Não é isso que estou a dizer, no entanto, os ambientalistas vêm sempre com a ideia que vai ter um impacto, tudo tem impacto. Não fazer nada também tem impacto. É aí é que é preciso ponderar as coisas. Ninguém defende mais a sustentabilidade ambiental do que o agricultor que vive do ambiente, do sol, da água e da terra.

Sente que, nos últimos anos, tem havido mais proibições e inibições do que o avanço de medidas estruturais?
De uma maneira geral, sim e a própria Europa foi exemplo disso. Frans Timmermans da Comissão com a Agenda Verde Europeia tem, muitas vezes, um calendário exagerado. O timing em que são feitas algumas coisas e as afirmações que são feitas são verdadeiras barbaridades.

Como por exemplo?
A ideia de que as vacas eram o grande responsável em Portugal pela emissão de gases de efeito estufa é uma verdadeira barbaridade. A ciência tem ajudado nessa matéria.

O ministro também disse que era imperativo Portugal apostar em tecnologias modernas, como a inteligência artificial e a agricultura de precisão para combater a crise do setor. Descobriu a pólvora?
A inteligência artificial é uma ferramenta que está a surgir agora e na agricultura também vai ter aplicações. Estamos a dar os primeiros passos, já há algumas coisas, agora vai ser dispensado o homem? Não, não vai. Mas vai ser dispensado o homem que não souber utilizar a inteligência artificial. Comparo isso ao que aconteceu quando apareceram os computadores.

Mas é um setor que já recorre à tecnologia e não é de agora…
Essa já é uma realidade na gestão eficiente da água, na aplicação de determinados produtos, nas sementeiras, em tudo. Os agricultores mais evoluídos já dizem que quem toma a decisão não são eles, mas um programa informático. Isso demonstra que essa tecnologia existe. Existe em todos? Não, existe naqueles que vão mais à frente. Diria que todos os que produzem para o mercado num espaço muito curto terão de utilizar a tecnologia, os que não produzem para o mercado é uma realidade diferente.

No início deste ano, a CAP exigiu que o Governo pagasse juros por pagamentos atrasados aos agricultores…
A CAP fez manifestações em 2023 a protestar contra o mau funcionamento do Estado e contra os atrasos nos pagamentos. Nesse ano, só foram pagos aos agricultores 30% das verbas referentes a 2023 e o que concluo é que, por mais barulho que se tenha feito e por mais manifestações que se tenham realizado no país em vários locais com centenas de tratores e com milhares de agricultores, acharam que era uma embirração da CAP com o primeiro-ministro e com a ministra, não percebendo o que estava em causa. Imagine se os funcionários públicos em 2023 só tivessem recebido 30% dos seus vencimentos, o que aconteceria? Os agricultores protestaram, fizeram barulho, manifestaram-se, mas só receberam o dinheiro em 2024. Ora, o Estado quando qualquer cidadão se atrasa um dia no pagamento de uma obrigação o que acontece? Paga multa e juros de mora. O que estamos a exigir ao Estado é tratamento igual. Se o Estado se atrasa então tem de pagar juros de mora, obviamente. Não estou a exigir uma multa.

Ainda há pagamentos em atraso?
Não, o atraso de 2023 foi recuperado, o que queremos é que se há um calendário de pagamentos que paguem na devida altura.

No caso de haver atrasos poderá estar em cima da mesa novas paralisações e protestos?
Com certeza, mas isso é o normal. Acha que foi um grande exagero ou que não se justificou fazer o que fizemos com cortes de 70%? Imagina a sua vida com 30% de rendimento? E o país assiste a isto, os partidos assistem a isto e não acontece nada. Os agricultores não tinham dinheiro, tiveram de ir ao banco e estão a pagar por isso.


A agricultura continua a ser vista ainda como parente pobre?
Não acho que seja considerado parente pobre, mas acho que os governantes, os cidadãos e os políticos não têm noção da potencialidade que a agricultura tem, nem do crescimento e do desenvolvimento que poderia dar ao país. Somos um país que não é forte industrialmente, que é forte no turismo mas, apesar de tudo, mais de 20% das exportações de bens e serviços diz respeito à agricultura e florestas. Já não é uma coisa despiciente.

E tem vindo a aumentar nos últimos anos…
Tem vindo a aumentar nos últimos anos. Um dos casos mais emblemáticos é o das frutas, hortícolas e flores que este ano deverá ultrapassar os 2.400 milhões. Há 15 anos era um valor residual e não cresce mais porque o Estado não tem essa noção e só cria dificuldades. Já nem quero que ajude, só peço que não crie dificuldades. Por exemplo, a região de Odemira tem características únicas no mundo que só se repetem do lado de lá do Atlântico, na Califórnia, que é o de conseguir produzir framboesas 52 semanas por ano. Foi feito um perímetro de rega do Mira, em 1969, que previa regar 12 mil hectares. Hoje a área que está a ser regada são seis mil, entretanto, desenhou-se um parque natural em cima do que já estava feito e agora diz-se: ‘Isto é assim’. Não, quando definiram o parque já lá estavam as atividades agrícolas e já se sabia que era para aquilo. E além de não haver nenhuma incompatibilidade, o que é grave é que se gaste dinheiros públicos para chegarmos a 12 mil hectares e fiquemos por metade. Isto é Portugal. Quando me pergunta se a agricultura é um parente pobre digo que não, mas é um setor que tem muitos casos destes. É como a onda da Nazaré, ela estava lá há milhares de anos, nunca ninguém a viu e foi preciso chegar um americano para dizer que a onda é a maior do mundo.


Odemira é mais conhecida pelos casos polémicos…
As empresas que operam lá exportam 300 milhões de euros, mas podiam exportar muito mais se o país quisesse crescer e se o Estado quisesse ter mais verbas para fazer outras obras. Assim não conseguimos. E como se demora tanto tempo a tomar as decisões com as obras que prometeu – como a barragem de Santa Clara que exige um investimento de quatro ou cinco milhões – e que nunca mais se fazem já houve empresas que foram para Marrocos. Vão para outro lado porque não podem estar à espera de um Estado que é lento, que não cumpre os prazos e que não toma decisões. Isto aplica-se a outras realidades e a outras situações no país. Portugal tem um enorme potencial agrícola em várias culturas e em várias áreas. No Olival crescemos imenso, mas não foi por políticas foi impulsionado pelo Alqueva. Mas a vontade de fazer o Alqueva foi muito pequenina porque a ideia era fazer em 25 anos com 100 milhões por ano, acabou por ser encurtado para 15 porque havia a necessidade de executar fundos comunitários da coesão para não se perderem. Quando construímos autoestradas não demorámos 25 anos. Também sabemos que o país não tem dinheiro em excesso, mas custa-me ver muitas das decisões que foram tomadas com o PRR, em que se deixou completamente de fora a agricultura e a pouca coisa que tinha que era para a Barragem do Pisão, em Portalegre está suspensa porque houve uma ação em tribunal. É assim que se gere um país? É assim que andamos para a frente? O país está bloqueado e ou há vontade de alterar este sistema que existe em Portugal com escrutínio e com cumprimento de regras ou mantemos os mesmos mecanismos que continuam a bloquear tudo. Como é possível na Justiça haver um sistemático bloquear do sistema?

Outro problema do setor diz respeito à falta de mão-de-obra…
Temos um problema de mão-de-obra porque não há pessoas no meio rural em número que consigam responder a estas necessidades sazonais nos frutos. O olival já não precisa porque já tem máquina, o mesmo acontece com as vinhas. Mas a mão-de-obra é precisa para os frutos vermelhos, maçã, pêra e no olival se for para azeitona de mesa, se calhar dentro de dez ou 15 anos também já não é assim.

O Governo já deu alguma resposta às vossas propostas?
Ainda não, o Governo fez aquela proposta, fizemos umas considerações e para a semana parece que vai haver uma reunião, mas obviamente que a solução não pode passar pela responsabilidade total das empresas. A solução tem de ser encontrada entre a administração local, central e empresas. Mais uma vez, é um assunto que o Estado, às vezes, nem faz nem deixa fazer. É preciso ter instalações para alojar condignamente os trabalhadores que estão ali durante cinco, seis meses, não são aldeias alternativas, são instalações com dignidade para a altura que é necessária. E já existem exemplos disso em Huelva, não estamos a inventar. São instalações separadas, de um lado homens, do outro mulheres com uma assistente social e com médico. No entanto, tem de haver uma parceria entre o Estado e as empresas, mas ouve-se logo: ‘Não pode porque vamos criar guetos de pessoas’, quer dizer, o Estado nem faz, nem deixa fazer. Em Odemira houve um compromisso de permitir às empresas colocarem contentores para, no prazo de dez anos, se desenvolverem os meios habitacionais, já passaram sete e não desenvolveram nada, nem vão desenvolver.

Em relação à formação e ao ensino da língua tem dito que essa responsabilidade poderia passar para o Instituto de Emprego e Formação Profissional. Acha que há recetividade?
Isso não pode recair sobre o empregador. Um trabalhador que vem para cá não pode estar um mês em formação. Quem lhe paga esse mês?


Supostamente quem contrata…
Mas esse trabalhador é contratado para apanhar fruta e para isso não precisa de saber falar muito, precisa é de apanhar.

Mas precisa de ler rótulos…
Para apanhar fruta não precisa de ler rótulos. Para ler rótulos são outro tipo de trabalhadores e esses que queiram permanecer mais tempo é importante perceberem alguma coisa de português e de estarem minimamente enquadrados naquilo que é o país e nos seus hábitos. Mas para isso tem de haver um esforço partilhado entre o Estado e as empresas. Obviamente que as empresas não estão a dizer ‘não fazemos’, mas o Estado não pode assumir, tal como está na proposta, que a responsabilidade é toda das empresas. As empresas têm tido muitas dificuldades. Porquê? Porque o Estado não cumpre o seu papel. Há empresas que vão aos países fazerem o recrutamento, para se livrarem das redes que existem e depois o Estado nos serviços consulares não consegue emitir os vistos.

E esses trabalhadores já descontam para a Segurança Social e para as finanças…
Descontam para as finanças mais do que os portugueses porque enquanto não conseguem um visto de residência é-lhes aplicado a famosa taxa liberatória, em que descontam 25% do que ganham. A CAP conseguiu há dois anos que os que ganham o salário mínimo e as primeiras cem horas extras fiquem de fora da taxa liberatória. Mas se o trabalhador ganhar mais um bocado paga 25%. Como se explica a uma pessoa que vem do Bangladesh, e que trabalha ao lado de um português, que um ganha dez e o outro ganha só 7,5? Diz logo que o patrão o está a roubar. E quem pediu esta alteração foi a CAP. Não vi nenhum sindicato, não vi nenhum partido, não vi ninguém preocupado com isto. Quando isto é uma discriminação das pessoas que não têm residência em Portugal. Acha justo que uma pessoa pague 25% de taxa liberatória porque o Estado demore dois anos a dar um visto de residência? Isso é o que existe em Portugal.

Muitos são trabalhadores que estão cinco ou seis meses no campo e depois vão para a cidade. Como vê este discursos contra a imigração e a ideia de insegurança que tem ganho maiores contornos nas últimas semanas?
Primeira questão, os dados que vi esta semana da polícia relativamente ao crime revelam que diminuíram. Os políticos podem falar todos do que quiserem, outra é a realidade e os dados mostram que não há um aumento de criminalidade. Segunda questão, em relação às condições em que se alojam as pessoas é necessário que o Estado crie condições para isso e não criou. A CAP já pediu alguns edifícios no Algarve que são propriedade da Direção Regional da Agricultura para ceder para alojamento e não o faz. Assim não há solução para o país. Como é que se consegue aumentar a capacidade produtiva se não temos mão-de-obra para o fazer? O Estado nestas coisas não tem a visão que seria normal que era proporcionar para ter mais receita e mais impostos.

Quanto à lei dos solos como vê a polémica em torno desta alteração?
Mais uma demagogia levada ao extremo. A esquerda está contra porque acha que vai haver especulação nesses terrenos, mas alguém quer construir na Amareleja ou em Freixo de Espada à Cinta? Ninguém. Esta pressão vai existir à volta das cidades. Mas bocados de terra que são considerados reserva agrícola nacional são importantes para a capacidade produtiva portuguesa? Esse bocado considerado de reserva agrícola produz alguma coisa? Alguns deles não e quando houve centenas, milhares de hectares ocupados com painéis solares, esta gente não se preocupou nada. E agora estão preocupados? Não consigo perceber.


Mas no caso da Grande Lisboa, como Oeiras, Cascais e Loures, essa especulação pode existir…
O que se produz nessas zonas? Nada. E não se ocupou com estradas e autoestradas milhares de hectares? Por outro lado, a esquerda fala em especulação, mas depois também tinha deputados que faziam especulação imobiliária e despedem mães grávidas. Esta alteração é significativa para a capacidade produtiva nacional? Não, basta aumentar meia dúzia de hectares de rega e compensa esses terrenos. E há casos em que o agricultor tem um terreno numa reserva agrícola nacional, mas não pode fazer nada porque já está encostado a um prédio. Então não o pode vender para a construção? Estamos a falar do quê? Ainda não percebi.

Entretanto assistimos a esta polémica em torno do secretário de Estado Hernâni Dias…
A política portuguesa vive disso. Vive dessas ideologias, desses casinhos, do que roubou a mala, do que vai fazer especulação imobiliária, etc. Façam as coisas, ponham os pés na terra. Esta questão da lei dos solos – não me vou pronunciar sobre a causa do problema da habitação – relativamente ao impacto que tem na agricultura é despiciente. Não tem nenhum impacto na capacidade produtiva do país.

Mas o agricultor irá ganhar se vender esses terrenos a outro preço…
E a CAP é contra isso? Então o agricultor tem o terreno, agora pode vir a ganhar dinheiro e dizemos que não pode, mas o construtor civil pode ganhar? Isto tem alguma lógica? Nenhuma. É uma questão para os partidos políticos andarem nesta discussão que não se percebe e agora veio-se a descobrir um secretário de Estado que criou uma empresa e que poderia vir a beneficiar com isso. Esses casos têm de ser acompanhados, ver se há um ganho ilícito com isso, tem de se investigar, fora isso deixem as coisas funcionar.