O sentido de humor não é uma arte, é um modo de estar na vida. A única forma de alegria é o sentido de humor: encontrar graça em tudo. É um sinal de inteligência e de bom senso. Tudo na vida dá vontade de rir. Menos as desgraças que não são graças: daí o prefixo ‘des’. O resto é matéria para piadas. Ter sentido de humor é diferente de ter piada, podemos achar piada a tudo e não termos piada nenhuma. Pode ter mais sentido de humor quem se ri de uma anedota do que quem a conta, quem conta pode ter piada, mas não achar piada a coisa alguma.
O sentido de humor é a melhor maneira de viver bem com as chatices da vida, seja o trânsito, as reuniões chatas e intermináveis, as esperas em consultórios, viagens de comboio cheio de pessoas. As caras, as conversas, os tiques dos outros têm imensa graça. É só olhar duas vezes. A ironia é a graça dos cínicos, mas aquilo que tem mais graça. É assumidamente brincar a sério, com coisas sérias e nada melhor que brincar com coisas que se levam a sério. Seja uma cerimónia solene ou alguém de cerimónia. Ironia é vezes demais confundida com sarcasmo, mas não tem nada a ver um com o outro: sarcasmo é amargura, ironia é simplificação. O sarcasmo requer uma dose de má disposição, é o bullying dos intelectuais, irrita. Ironia exige delicadeza, cuidado em não ofender, é a forma mais silenciosa de ver a vida com leveza, no seu estado puro.
O humor atravessa nos dias de hoje uma enorme crise. Ninguém o respeita. Todos o levam a sério. As piadas ou ofendem ou têm de ser explicadas, assim como a ironia. Os adultos estão como as crianças: sem sentido de humor. Uma criança, por ser muito literal, só se ri se tiver cócegas, ou se ouvir palavras como cocó, xixi, sovaco ou chulé. São estas as palavras mágicas para conseguir uma gargalhada de alguém com menos de dez anos. Os adultos vão pelo mesmo caminho. Só se riem com trambolhões, gafes e do ridículo. Mas o ridículo não é humor, é uma tristeza. Um deputado que, alegadamente roubou malas não tem piada nenhuma, é só ridículo; aquilo que tem piada é o deputado ser do Chega.
Um dos problemas que o humor atravessa hoje é com os jovens. Os nossos jovens riem-se pouco. Além de estarem sempre de cara séria e cabeça baixa dentro dos telemóveis, levam tudo muito a sério. Os jovens de hoje não acham graça a piadas secas, não sabem o que é ironia e estão pouco dispostos a acharem piada a si próprios. As piadas mais básicas têm de ser explicadas, o que tira a piada toda. É difícil arrancar uma gargalhada a um rapaz de 18 anos que não esteja alcoolizado.
A minha avó dizia sempre: mais vale cair em graça do que ser engraçado. Mas os nossos jovens não fazem uma coisa nem outra. Eles falam pouco, têm vergonha de tudo e todos e nem se esforçam por serem engraçados quanto mais cair em graça. Há uma crise humorística em Portugal de tal forma grave que até os humoristas estão a ficar sem piada. A única forma de se sagrar nesta profissão é recorrendo ao sarcasmo ou à patetice (versão coco e trambolhão dos adultos).
Calvin, MEC, Mafalda, Herman José, Monty Python estariam hoje na miséria se tivessem começado as suas carreiras no novo milénio.
A crise sentido de humor
As pessoas só se riem com trambolhões, gafes e do ridículo. Mas o ridículo não é humor, é uma tristeza. Um deputado que, alegadamente, roubou malas não tem piada nenhuma, é só ridículo; aquilo que tem piada é o deputado ser do Chega.