A Inteligência Artificial já não é o futuro, é o presente

Esta guerra tecnológica é mais uma face da disputa estratégica do século XXI, e é, muito provavelmente, a razão de ser do apoio daqueles empresários ao novo Presidente dos EUA.

Há cerca de ano e meio, conversei longamente com um dos fundadores e responsável pelo desenvolvimento de uma das maiores tecnológicas do mundo que, sobre a inteligência artificial (IA), me disse uma frase que não mais esqueci: «Quem disser que sabe os limites da IA está a mentir». Vindo de quem gere centenas de milhões de dólares para desenvolvimento dessa tecnologia, foi revelador.
Após a tomada de posse de Trump, e do apoio que os empresários das grandes tecnológicas prestaram ao novo Presidente dos EUA, passámos longos dias falando sobre o nascimento de uma ‘nova oligarquia’ naquele país, fundada exatamente no poder destes ‘novos oligarcas’ e em possíveis relações promíscuas destes com o poder político. A sujeição a Trump ficou evidente na forma como a Google alterou no ‘Google Earth’ o nome do Golfo do México para ‘Golfo da América’, envolvendo águas internacionais que transcendem a soberania dos EUA.
A tomada de posse do presidente, na qual diversos destes empresários estiveram presentes, foi no dia 20 de janeiro. Nesse dia, as ações da NVidia, gigante tecnológica norte-americana, líder no mercado dos processadores de última geração (essenciais para a IA) eram transacionadas a cerca de 140 dólares.
No dia 27 de janeiro, foi lançada o novo modelo de IA da start-up tecnológica chinesa deepseek, que representou uma rutura em relação aos modelos anteriores, conseguindo forte desempenho com recurso a processadores mais simples e baratos. Esse lançamento, provocou uma queda no índice tecnológico norte-americano, o Nasdaq, e fez as ações a NVidia desmoronar, tendo estado a perder cerca de 18%. Ontem, no dia anterior à escrita deste artigo, e depois de absorvido o choque inicial, as ações ainda estão 12% abaixo do valor anterior.
Curiosamente, depois deste lançamento, a Alibaba, a Bytedance (proprietária do Tiktok) e a Tencent, todas tecnológicas chinesas, anunciaram que os seus novos modelos de IA superavam o modelo da deepseek em desempenho, tornando quase obsoletos os modelos da Microsoft e da Meta (ambas norte-americanas).
A guerra tecnológica que se lutava em surdina está agora disponível para todos percebermos. Isto é, a queda abrupta do valor em bolsa da NVidia diz-nos que o poder e a influência dos oligarcas é real, mas pode ser de curta duração, como curta é a validade tecnológica de cada nova descoberta.
Na realidade, esta guerra tecnológica, que agora é pública, mas que era certamente conhecida desses empresários, é mais uma face da disputa estratégica do século XXI, e é, muito provavelmente, a razão de ser do apoio daqueles empresários ao novo presidente dos EUA: a busca pela proteção estatal aos seus negócios.
Se há algumas crónicas recordámos quando se confundiam os interesses dos EUA com os da General Motors, hoje, pela dimensão destas empresas, e sua contribuição para o poder dos EUA no mundo, podemos afirmar que os interesses de ambos são convergentes. Isto é, os interesses das grandes empresas que marcam o seu tempo são convergentes com os interesses do Estado.
Trump, menos sofisticado na forma, assume de modo mais transparente a relação, assim como os empresários agora o fazem. Biden, no seu último discurso como Presidente, enunciou os riscos da relação para a sociedade norte-americana, na certeza que saberá de os riscos para os EUA estarem fora da liderança nesta disputa tecnológica: os próximos anos estão a ser moldados a partir da mesma.
Por outro lado, se esta disputa marcará os próximos anos, como está já a marcar o presente, onde está nela a União Europeia? Não está. Assiste.
Quando não estás à mesa, estás na mesa.