O pragmatismo perdeu a batalha do espaço público. Não é com ele que se ganham eleições nem é com ele que se entusiasmam as multidões. O pragmatismo e a resolução de problemas são um desígnio das empresas e dos empresários e a sua eficácia é medida pelos resultados obtidos. Na política e no espaço público a luta é outra: voltou a ser ideológica. A extrema-esquerda encarregou-se de lançar os temas para o debate público enquanto o resto do mundo ia às compras nas lojas chinesas e atrofiava nas redes sociais. A luta de classes passou para o âmbito cultural e social, apontou-se como opressores o homem branco e colonizador, as hierarquias e a moral cristã, o professor contra o aluno, o polícia contra os enjeitados, o nacional contra o estrangeiro, a História do mundo como o vírus do mundo atual. A luta de classes manteve-se, mas inventaram-se novas classes, já que a conversa do patrão e do trabalhador e do capitalismo selvagem caiu com a falência do Leste. Reinventou-se a linguagem, os géneros e a História.
Tudo isto começou nos EUA, durou décadas a consolidar e a espalhar-se pelo mundo ocidental e cedo nasceu a reação: os Trumps do novo mundo. Um discurso ideológico de reação a um discurso ideológico que não melhorava a vida de ninguém. Os pecados dos homens fizeram o resto do trabalho que era ruir os pilares dos valores que se davam como garantidos no final do século XX. Instituições como a Igreja caíram em desgraça com a pedofilia e os escândalos financeiros, a crise das dívidas soberanas destruíram a confiança nos modelos económicos e os movimentos migratórios depois da Primavera Árabe foram o condimento que faltava.
É este o mundo herdado pelos nossos filhos, dos novos eleitores. Ouvem falar de Thatcher, Reagan e até de Mitterrand nostálgicos de um mundo que não conheceram. Os novos, mais do que os velhos, precisam hoje de ideologia. De saber quem são os maus e os bons, qual o projeto, o desígnio e os valores pelos quais vale a pena lutar. É assim e sempre foi assim: faz parte da natureza humana. Os mais velhos anseiam pela segurança daquilo que conhecem e a previsibilidade das pensões; os mais novos de construir um mundo só deles, diferente daquele onde nasceram. Num mundo de causas dispersas, de minorias barulhentas em luta pelo domínio das instituições, as ideologias são de ódio. Estar de acordo em discordar é absurdo num mundo onde a perceção é a de que vivemos rodeados de inimigos. Quem não está comigo está contra mim.
A intervenção política faz-se de ativismo, tal como nas claques de futebol e como valores temos a destruição do extremo oposto. Os nossos jovens cresceram assim. Não sabem em quem confiar nem em que lado estão. O problema (ou não é um problema) é que ter valores ou ideologia não é uma escolha, é uma inerência por se pertencer a uma sociedade. Vivemos uma crise de valores? Não. Vivemos numa época em que todos os valores são questionáveis. A crise aconteceu há algumas décadas, altura em que as ideologias entraram em contradição com elas próprias. Qual o mundo que irá nascer daqui só os nossos filhos saberão.
A ideologia dos mais novos
Vivemos numa época em que todos os valores são questionáveis. A crise aconteceu há décadas, altura que as ideologias entraram em contradição com elas próprias. Qual o mundo que irá nascer daqui só os nossos filhos saberão.