O Sr. Trump e a teoria do comércio internacional

É por a economia americana ser um destino tão atraente para capitais de todo o mundo que tem défices externos correntes.

O Sr. Trump lançou no passado sábado tarifas aduaneiras contra Canadá, México e China. Que, entretanto, as tenha suspendido para os dois primeiros pouco muda no que constituí a primeira salva de uma guerra comercial global. Na base da sua justificação está a balança comercial bilateral – a diferença entre o valor de exportações americanas para aqueles países e o valor das importações americanas deles. Se as importações excedem as exportações existe um deficit comercial bilateral, que o Sr. Trump interpreta como um sinal de que os EUA é um perdedor nessa relação e que está a subsidiar esses países. De acordo com o ‘senso comum’ – que agora parece ser o princípio norteador da governação americana – este raciocínio pode fazer sentido. Está, todavia, em colisão com todo o conhecimento adquirido por economistas ao longo de décadas de estudo do comércio internacional.
Quando o autor destas linhas entra numa sapataria para comprar um par de sapatos está a incorrer num défice da sua balança comercial bilateral com a sapataria. Isto não significa que ele seja um perdedor: ao fim de contas ficou com uns lindos sapatos. É claro que o escriba só pode sustentar os seus défices comerciais bilaterais com sapatarias, restaurantes e com todos aqueles que lhe fornecem o que necessita, se tiver um excedente comercial com os empregadores que lhe pagam pelos serviços que lhes presta. Caso este excedente não cubra a soma de todos os seus défices comerciais, quem vos escreve incorrerá em dívidas (isto é, ‘alguém exterior’ terá de financiar o seu excesso de despesa sobre rendimento). Os défices comerciais bilaterais pouco dizem, portanto, a não ser sobre as preferências do autor e os seus recursos. Assim para as pessoas e assim para as nações.
Os países exportam porque precisam de importar. São as importações que aumentam o bem-estar dos nacionais; só que elas têm de ser pagas, quer exportando quer contraindo dívida, isto é, através de entradas (líquidas) de capitais. Daqui decorre que o défice comercial americano não significa que os EUA sejam uns ‘lorpas’ que subsidiam o resto de mundo: bem pelo contrário, esse défice só existe e subsiste porque o resto no mundo financia os americanos. Ter um défice comercial e ser atrativo para os capitais de todo o mundo são duas faces da mesma moeda, não existe uma sem a outra e compensam-se necessariamente. Os EUA têm défices correntes externos porque o estrangeiro é um investidor líquido na economia americana. E vice-versa, é por a economia americana ser um destino tão atraente para capitais de todo o mundo – fruto da sua elevada produtividade dos fatores – que tem défices externos correntes. Assim, e paradoxalmente, dada a poupança interna, quanto mais atrativo os EUA forem para o investimento – através de baixos impostos, pouca regulação e I&D de ponta – maior será o défice externo.
Se a retaliação tarifária face à China pode fazer sentido como resposta a uma política comercial distorcionária, os casos do Canadá e México carecem de qualquer lógica económica. Por exemplo, o pequeno défice com o Canadá deve-se exclusivamente à importação de energia, sobretudo petróleo, pelo midwest. Mais fundamentalmente, nas três décadas desde que o NAFTA entrou em vigor, a indústria norte-americana evoluiu para um sistema altamente integrado cujos produtos – automóveis em particular, mas bens manufaturados de forma mais ampla – contêm normalmente componentes de todos os três membros do pacto, que podem ser enviados através das fronteiras várias vezes. Os défices bilaterais, portanto, pouco (ainda menos) dizem. Todo este sistema altamente eficiente, e que tanta prosperidade gerou, será posto em causa pela possibilidade de uma guerra comercial.
O Sr. Trump sabe tudo isto. A decisão do passado sábado tem pouco a ver com o comércio internacional, mas, apenas, com manifestações de músculo imperial. Como diz o provérbio Navajo: ‘É impossível acordar quem finge estar a dormir’.

Professor universitário