A burocracite aguda

Uma vez que o MENAC não precisa de fazer concursos públicos, deveria substituir-se às autarquias na aquisição de recursos.

Há mais de 15 anos, o programa Simplex derrotou corporações e acabou com anacronismos. O resultado foi positivo mas efémero. Há novas burocracias que o cidadão odeia, porque só lhe atrasam a vida, e que os políticos não querem, porque complicam os processos.

Mas são os políticos que, com as suas decisões, favorecem a burocracia e deixaram que o Estado fosse invadido por um exército de funcionários sem bom senso que se entretêm a criar complicações inúteis, para justificarem a manutenção dos seus lugares. Depois, se os governantes decidem, por bom senso, em desespero ou por racionalidade económica, extinguir uma dessas entidades intermédias, as competências (e os incompetentes) migram para outra similar. E isso só resulta em maior entropia na Administração Púbica.

A burocracia tem, na sua génese, estupidez e desconfiança. Veja-se o caso do MENAC – Mecanismo Nacional Anticorrupção. Segundo o Público, esta agência não lançou até hoje um único concurso público. Optou por ajustes diretos e procedimentos não concorrenciais para adquirir bens e serviços. Enquanto os seus responsáveis se defendem com a letra da lei, ignorando as boas práticas que recomendam a terceiros, o MENAC resolve castigar os municípios com uma exigência impraticável, ao interpretar de forma absurda o que está previsto no Regime Geral da Prevenção da Corrupção. Este decreto-lei impõe que, em cada deliberação, os membros dos órgãos de administração – o que nas câmaras municipais abrange toda a vereação e a assembleia municipal – declarem a inexistência de conflito de interesses.

Anteriormente entendia-se, ad contrarium, que o eleito se deveria escusar a participar e a votar qualquer deliberação que pudesse suscitar um conflito de interesses. Não vislumbro utilidade nesta alteração: se decorre das minhas funções o estrito cumprimento da lei, não deveria ser necessário atestar caso a caso que o faço. Só que o MENAC decidiu interpretar, com a concordância da CCDR-N, que, logo que a deliberação é tomada, cada um dos intervenientes tem de assinar um papel impresso com essa declaração individual de inexistência de conflito de interesses.

Esta nova regra é, não só humilhante para os eleitos, mas também inútil, insensata e impossível de cumprir. Veja-se o caso da Câmara Municipal do Porto, cujo Executivo tem 13 membros e vota cerca de 500 propostas por ano. Destas, cerca de um quinto é posteriormente votada pelos 46 membros da Assembleia Municipal. Enfim, uma gigantesca, desnecessária e exasperante burocracia…

O que os burocratas nos dizem é que, em cada reunião eapós cada deliberação, haverá que interromper os trabalhos e recolher de todos os participantes uma declaração individual em que estes garantem que, ao votar, não cometem nenhuma irregularidade. Além da confusão e do tempo perdido, há o aspeto logístico e ambiental. Este burocrático expediente implica que, anualmente, sejam impressas, assinadas e arquivadas, só no Município do Porto, mais de dez mil inúteis folhas de papel! E isto aplicar-se-á aos outros 307 municípios e a mais de 3000 freguesias.

Uma vez que o MENAC não precisa de fazer concursos públicos, deveria substituir-se às autarquias na aquisição de recursos. Desde logo adquirir, para cumprimento da lei, uma fábrica de papel, uma floresta adjacente e um laboratório de toners. E também um bom armazém central para guardar estas inutilidades…

Já agora, sempre que os órgãos do MENAC tomem uma decisão insana, declarem por escrito que ninguém lhes paga para ter bom senso.