Elon Musk, o fundador e CEO da Tesla, tem por hábito dizer o que pensa sem que as suas palavras tenham muitas consequências. Mas desta vez não foi assim. A empresa que gere, que é líder na venda de carros elétricos, pode vir a sofrer com a mais recentes polémicas. O boicote começou logo quando Musk mostrou o seu apoio ao presidente americano, Donald Trump mas há mais que isso. Num evento de apoio ao presidente americano, Musk agradeceu à multidão por «fazer acontecer», antes de colocar a mão direita sobre o peito e erguê-la no ar várias vezes.
O gesto foi considerado por muitos – até pela sua semelhança – com a saudação nazi e não caiu bem junto de muitos, nomeadamente para os europeus. Na Alemanha, o chanceler Olaf Scholz e a maior central sindical do país criticaram o empresário, principalmente pelo seu apoio ao AfD, partido de extrema direita. Já na Polónia, a indignação foi ainda maior, tendo em conta que as declarações de Musk coincidiram com as comemorações dos 80 anos da libertação do campo de extermínio de Auschwitz.
E os números mostram quebras grandes. Em Portugal, por exemplo, as vendas da Tesla caíram 29,1% em janeiro deste ano. E há países onde o tombo foi maior. As vendas da Tesla caíram num mês em que o mercado de carros elétricos na Alemanha cresceu mais de 50% face ao ano anterior. Em França, foram vendidos menos 63% de carros desta marca. E em países como a Noruega, a Tesla registou quebras de 38%. No Reino Unido vendeu menos 8%.
Consequências
Mas quais serão as consequências para a marca? João Queiroz, Head of Trading do Banco Carregosa, refere ao Nascer do SOL que, «de forma genérica os boicotes pelos consumidores em vários países europeus, impulsionados pelas controvérsias tendem a afetar uma marca pela via reputacional e o reconhecimento da marca, ou insígnia, e quanto ao fundador da Tesla, a perceção global do construtor automóvel que é observado como vanguardista como a esperada evolução da cadeia de valor associado ao armazenamento de energia elétrica e a condução autónoma de última geração». Isso, defende, «traduz-se numa alteração da confiança que pode ser abalada, tanto por parte dos consumidores como dos investidores, o que poderia conduzir a uma diminuição das encomendas e das entregas».
No entanto, João Queiroz adianta que, para «manter os ritmos de crescimento das vendas e das receitas, esta cotada tem recorrido a ofertas e descontos, o que, aliado a dificuldades na ramp-up da produção do novo Model Y, pode comprimir as margens, afetando a relevante geração de fluxos de caixa, e possivelmente prejudicar o posicionamento da marca num mercado cada vez mais competitivo».
Também Adriana Rojão, analista da XTB, fala no novo modelo que a empresa de Musk prevê que «seja o carro mais vendido a nível mundial em 2024, com mais de 375 mil unidades produzidas na fábrica de Berlim-Brandenburgo», lembrando que este modelo «destacou-se como o mais vendido na Dinamarca, Noruega, Suécia, Suíça e Países Baixos, e a Tesla foi a marca mais popular na Noruega pelo quarto ano consecutivo». A analista recorda que a empresa planeia ainda este ano lançar a versão Full Self-Driving na Europa «e iniciar a produção de novos modelos mais acessíveis».
Mas as atitudes de Musk «resultaram numa perceção negativa da marca e numa queda acentuada das vendas na Alemanha e França, com políticos a convocarem um boicote aos veículos da empresa» e o relatório do quarto trimestre de 2024 «revelou um aumento da competitividade e uma diminuição dos lucros, devido à fraca procura e à maior concorrência», diz a analista da XTB, recordando que, no entanto, as ações da Tesla recuperaram, «o que sugere otimismo entre alguns investidores».
Adriana Rojão diz ainda ao nosso jornal que o impacto dos boicotes na Europa «dependerá de vários fatores, como a cobertura mediática e a reação dos governos. Se a rejeição for limitada, a Tesla poderá enfrentar uma quebra temporária nas vendas; caso contrário, poderá perder uma parte significativa do mercado europeu de veículos elétricos».
Por sua vez, Bruno Mateus, secretário-geral da Associação Portuguesa Veículo Electrico (APVE), refere que, de acordo com o Finantial Times este movimento tem levado a uma queda acentuada nas vendas da marca na Europa. Consequências? Quebra nas vendas, em primeiro lugar. «Em janeiro de 2025, a Tesla registou uma diminuição de 59,5% nas vendas na Alemanha e de 63% em França, em comparação com o mesmo período do ano anterior», lembra.
Mas há mais, como danos à reputação. «As associações políticas de Musk têm afastado clientes na Europa, onde muitos consumidores estão a evitar a marca devido às suas posições controversas».
Bruno Mateus diz que, no entanto, «não é claro qual a fatia das diminuições de vendas que se devem a um certo envelhecimento dos seus modelos, aguardando-se novas versões que, se forem competitivas do ponto de vista de preço e características, podem alterar a situação atual».
Vantagem para
a concorrência
A verdade é que há outras marcas que podem tirar vantagem deste boicote à Tesla. Uma delas é a chinesa BYD que, só para se ter uma ideia, conseguiu ultrapassar a Tesla pela primeira vez no passado mês de janeiro. Por pouco, mas passou. Nesse mês, a chinesa comercializou 392 automóveis, enquanto a Tesla chegou aos 389. Nesse mês, o crescimento homólogo da BYD foi de 206,3%, enquanto a Tesla registou uma quebra de 29,1% face ao mesmo mês de 2024.
«Sem dúvida, a situação representa uma oportunidade para rivais como a BYD, bem como outras marcas da China e mesmo das incumbentes marcas Europeias que se esforçam por crescer em quota de mercado na transição energética», salienta João Queiroz.
No exemplo da BYD, o especialista diz que a recente aposta desta empresa «em tecnologia de condução autónoma e a integração de sistemas avançados em toda a sua gama, a BYD estará a consolidar a sua presença e a atrair tanto clientes como investidores», acrescentando que «enquanto a Tesla poderia enfrentar problemas de produção e de imagem, a BYD pode aproveitar para conquistar e aumentar quota de mercado, mostrando-se uma alternativa robusta e inovadora no sector dos elétricos».
E mesmo as marcas europeias poderão aproveitar este balançar da gigante americana. «Também as fabricantes europeias que apostam nos elétricos podem obter vantagem deste momento de menor atratividade ou dúvida», diz João Queiroz. «Com a Tesla a sofrer alguma erosão perante possíveis questões de reputação e produção, os consumidores europeus podem ver nas marcas locais uma opção mais alinhada com as suas expectativas e com os incentivos governamentais de apoio à indústria automóvel». Adicionalmente, explica o especialista, «a proximidade à base de produção e a melhor adaptação às normas locais podem ser diferenciais importantes para captar um público que valorize a sustentabilidade e a qualidade».
Já Adriana Rojão destaca que em dezembro do ano passado, a Tesla liderou as vendas de veículos elétricos na Europa, com 28.679 unidades do Model Y e 15.360 do Model 3. «Contudo, a concorrência está a aumentar, especialmente por parte de marcas europeias e chinesas, como a Skoda, a Volkswagen, a BMW, a Volvo e a Renault», alerta.
Já a BYD «está a expandir a sua presença no mercado europeu» e, por isso, «o futuro da Tesla dependerá da sua capacidade de cumprir as promessas relativas à condução autónoma e à inteligência artificial, enquanto a BYD pode aproveitar a atual fase menos favorável da Tesla, especialmente com o lançamento de modelos elétricos mais acessíveis».
Adriana Rojão não tem dúvidas que a Tesla «enfrenta uma concorrência crescente de marcas como a Volkswagen, a BMW, a Renault, a Volvo e a BYD» e que «a queda na sua participação deve-se a polémicas envolvendo Elon Musk e ao aumento da concorrência». E atira: «Se os boicotes aumentarem, a Tesla poderá perder mais quota de mercado, especialmente na Europa».
A analista defende que marcas como a Volkswagen e a BMW «estão bem posicionadas para atrair clientes da Tesla».
Fim de uma era?
Será esta altura para questionar se será o fim de uma era para a Tesla ou se não passa de uma fase negra? João Queiroz diz ser difícil falar em fim. «Apesar dos atuais desafios, é muito difícil poder-se afirmar que estaremos a assistir ao fim da era Tesla», uma vez que «a cotada continua a investir em inovação – como o lançamento do novo Model Y e os planos para um serviço de ride-hailing autónomo (serviço de táxis autónomos, impulsionado pela tecnologia Full Self-Driving [sigla FSD] da empresa), o que pode indicar uma tentativa de recuperar a competitividade». No entanto, reforça que «a volatilidade do mercado e a crescente concorrência sugerem que esta fase de incerteza pode perdurar por algum tempo, exigindo uma reestruturação tanto na perceção da marca quanto na eficiência operacional». Resumindo, «provavelmente poderemos apenas assistir a um período de transição que, se adequadamente gerido, poderia ser ultrapassado, mas que já está a marcar uma alteração no panorama da mobilidade elétrica».
Uma opinião com a qual Adriana Rojão concorda. «Apesar das opiniões divididas sobre Elon Musk e a sua marca, ainda é cedo para declarar o fim da Tesla», diz, defendendo que «embora os boicotes e o aumento da concorrência possam resultar em quebras nas vendas e prejudicar a imagem da empresa, afastando investidores e compradores, a Tesla continua a destacar-se pela sua capacidade de inovação».
E apesar das polémicas em torno de Musk, «a marca continua a contar com investidores que confiam no seu potencial. No entanto, a empresa enfrenta desafios significativos e, para os superar, será necessário implementar mudanças».
Ao Nascer do SOL, Bruno Mateus, secretário-geral da Associação Portuguesa do Veículo Elétrico (APVE), defende que as ações de Elon Musk «estão a ter um possível impacto negativo significativo na Tesla na Europa, criando oportunidades para concorrentes quer chineses quer europeus», defendendo que este fenómeno «deverá ser acompanhado de perto». No entanto, o responsável diz que «a menos que haja embargos políticos e económicos, que se perspetivam difíceis, a única forma de a indústria europeia de veículos elétricos poder ter sucesso é ser capaz de produzir veículos elétricos competitivos em todos os aspetos tecnológicos e económicos, e em, particular, produzir tecnologias de baterias competitivas». Face às vantagens ambientais, de eficiência energética e custos de operação dos veículos elétricos «face às soluções com motor de combustão interna, um certo retrocesso que parece querer aparecer na transição para a mobilidade elétrica não deverá ter sucesso a médio e longo prazo», diz Bruno Mateus, acrescentando que «se os fabricantes europeus não aproveitarem as oportunidades, só irão atrasar-se cada vez mais em relação à concorrência. De qualquer parte do mundo».
E garante: «A menos que haja uma mudança significativa na perceção pública ou nas ações de Elon Musk, a Tesla poderá enfrentar dificuldades prolongadas na Europa. A situação atual representa um desafio considerável para a marca no mercado europeu».