O Matuto sempre gostou duma boa caminhada. Os passeios à chuva, com a sua gabardina Barbour, são uma das memórias mais gratas que o Matuto guarda de Inglaterra. O condado de Kent tem pitorescas veredas em densas florestas que pedem para serem calcorreadas com pasmo e encanto. Caminhar faz bem – dizem os médicos, e concorda o Matuto!
O Matuto costumava andar pelas ruas e passeios do Brasil, país que tão generosamente acolheu o Matuto no seu seio. Todavia, a quilometragem começou a pesar no corpo e no espírito do Matuto. Mas, adiante! Isso é mera auto-referência. A verdade é que pouca gente, hoje em dia, caminha. A locomoção, em geral, faz-se de forma obsessiva e ritmada pelos obstáculos da grande urbe. O semáforo – agora verde, agora vermelho – os carros fazendo tangentes, a lentidão dum idoso, a impaciência de executivos que antecipam reuniões na cabeça, a mulher atrasada para o almoço com a amiga, o lojista varrendo o olhar por potenciais clientes, o profissional a caminho do próximo compromisso… Este escarcéu, obliterou a caminhada despreocupada e contemplativa. É tudo uma lufa-lufa. Uma roda-viva. Um corre-corre. Estardalhaço. Frenesim. Bulício.
O Matuto gosta de observar a fauna humana. O que os Ingleses chamam de “people watching”. Uma arte em extinção. O Matuto acha os detalhes do quotidiano, uma delícia… a moça que rega as plantas; o vendedor de bilhetes de loteria; o jornaleiro sentado na sua banca; os velhos no jardim a jogar à sueca; o motorista de autocarro (ônibus, no Brasil, por favor) topando a empregada da boutique; a dona de casa que cheira o tomate da mercearia, cheia de dúvidas culinárias; o pastel crocante no óleo a ferver da tasca; as vizinhas à janela; um gato saltando para uma árvore; o idoso na cadeira do barbeiro; o rapaz a beber uma bica; um cão cheirando cantos e recantos…
Estando o Matuto nesta dança e contra-dança de vasculhar as andanças das pessoas que frequentam os passeios (calçadas, no Brasil, por favor) deste país que tão generosamente o acolheu no seu seio, fica o Matuto assarapantado com a quantidade de gente que caminha pelas ruas. Literalmente. Andam pelas ruas, usando-as como se fossem passeios. O Matuto constata a razão de tão inusitado hábito: o estado deplorável dos passeios. Para se andar pelos passeios é preciso ter um olho vigilante e um pé ligeiro. As armadilhas são várias. Sob risco de trombarmos (dar encontrões, em Portugal, por favor) nas pessoas, convém escrutinar os passeios. Senão enfiamos um pé num buraco – mais para cratera – topamos com montanhas de entulho, damos chutes em latas e máscaras, pisamos bosta de cachorro, deparamos com copos descartáveis… E isto sem falar nos lençóis de água. Quando chove, pode-se tirar o cavalinho da chuva – alerta o Matuto. Ou então, saímos nós da chuva, porque as possibilidades de desaparecer em poças e pocinhas e lagoas e mini oceanos, são reais.
É verdade – remata o Matuto. É tarefa hercúlea ser pedestre neste país que tão generosamente acolheu o Matuto no seu seio. Caminha-se nos passeios sob a ameaça de tombos, distensões musculares, dedinhos do pé partidos, pés torcidos, sapatos encharcados, enlameados e remendados. Melhor ficar em casa, pilotando um bom livro ou escutando a Billie Holiday cantando “On The Sunny Side of the Street” – matuta o Matuto.