A Desobediente 

Fico muito feliz por viver num país onde existem (ou existiram) mulheres como a Maria Teresa Horta, Maria Lamas, Beatriz Ângelo, Simone de Oliveira, Maria de Lourdes Pintasilgo, Odete Santos… e tantas outras, como tu, claro.

Querida avó,

Este início de fevereiro ficou marcado pela morte de Maria Teresa Horta. Uma mulher desobediente, a última das “Três Marias”, que deixou-nos o legado de uma grande escritora.

Juntamente com Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno, as “Três Marias” escreveram a obra “Novas Cartas Portuguesas”, lançada em 1972, e marcaram o declínio do Estado Novo em Portugal. A revelação de muitas das situações discriminatórias e lesivas para a mulher em Portugal deram um passo inaugural numa caminhada que tem sido feita até aos dias de hoje, naquilo que é a igualdade de género nas diversas circunstâncias sociais, culturais, laborais e económicas.

Maria Teresa Horta foi uma das personalidades mais influentes e inspiradoras do nosso tempo. Defensora incansável da liberdade e dos direitos das mulheres, numa altura em que assumir essa luta exigia uma determinação inabalável.

Deixa-nos uma obra marcante que merece continuar a ser lida e admirada por várias gerações.

Uma das mulheres mais importantes para a democracia, para uma ideia de liberdade partilhada entre homens e mulheres.

Recentemente, o reconhecimento do seu impacto ultrapassou fronteiras, tendo sido destacada, em dezembro de 2024, pela BBC, como uma das «100 mulheres mais influentes e inspiradoras de todo o mundo», imagina.

A morte de Maria Teresa Horta representa uma grande perda para a literatura portuguesa, mas também para o jornalismo, o feminismo e o ativismo político e social, causas a que a escritora e jornalista dedicou a sua vida com paixão e coragem.

Fico muito feliz por viver num país onde existem (ou existiram) mulheres como a Maria Teresa Horta, Maria Lamas, Beatriz Ângelo, Simone de Oliveira, Maria de Lourdes Pintasilgo, Odete Santos… e tantas outras, como tu, claro.

Agora vou ler o livro “A Desobediente”, a biografia de Maria Teresa Horta escrita pela Patrícia Reis.

Feliz Dia dos Namorados.

Bjs

Querido neto,

É verdade. Um início do mês com perdas irreparáveis!    Ao leres o livro da Patrícia Reis, vais ver que a dor e o abandono chegaram cedo à vida de Teresinha, a filha mais velha de um dos mais prestigiados médicos da capital e de uma mulher livre e corajosa, descendente dos marqueses de Alorna, que nas ruas e nos melhores salões de Lisboa rivalizava em encanto com Natália Correia (outra grande mulher). A menina que haveria de ser poetisa vê a morte de perto quando ainda mal sabe andar, sobrevive às depressões da mãe, chegando mesmo a comer uma carta para a proteger. É dura e injustamente castigada e as cicatrizes hão de ficar visíveis toda a vida, de tal modo que a infância e a adolescência de Maria Teresa Horta explicam quase todas as opções que tomou. Sobreviver ao difícil divórcio dos pais, duas figuras incomuns, com as quais estabeleceu relações impressionantes de tão complexas, foi apenas uma etapa. Mas quanto deste sofrimento a leva à descoberta da poesia? E quanto está na origem da voz ativista de uma jovem que há de ser uma d’As Três Marias, as autoras das famosas “Novas Cartas Portuguesas”, e protagonistas do último caso de perseguição a escritores em Portugal, que recebeu apoio internacional de mulheres como Simone de Beauvoir e Marguerite Duras? A insubmissa, que se envolve por acaso com o PCP e mantém intensa atividade política no pré e no pós-25 de Abril; a poetisa, a mãe, a mulher que constrói um amor desmedido por Luís de Barros; a grande escritora a quem os prémios e condecorações chegaram já tarde (ainda que, em alguns casos, a tempo de serem recusados), entre outras facetas, é a Maria Teresa Horta que Patrícia Reis, romancista e biógrafa experimentada, soube escrever e dar a conhecer, nessa biografia, com a destreza e a sensibilidade que a distinguem.

Esta semana deixou-nos também o Renato Júnior, que me vai fazer muita falta.

Bjs