Uma cidade suja, ruidosa, ora magnificente, ora miserável, onde o povo exultava com sangrentos combates de gladiadores e os patrícios se entregavam a orgias e comezainas.
Falamos de Roma, pois claro, a capital do império e do prazer. Juvenal, o mesmo que cunhou a máxima «mente sã em corpo são», resumiu em duas palavras o que movia os seus concidadãos: pão e circo. Recuperemos as suas palavras aproximadas: «Estes romanos tão orgulhosos, que outrora comandaram reis e nações e reinaram desde o Capitólio até aos dois confins da terra, e agora são escravos de prazeres corruptores, que querem eles? Pão e jogos de circo».
O poeta, que escrevia por volta do ano 100 da nossa era, lamentava que os romanos tivessem perdido de vista as grandes virtudes dos seus ilustres antepassados, para se comprazerem na satisfação de prazeres indignos.
Mas talvez Juvenal não estivesse completamente sozinho na sua luta. Na realidade, a literatura da época parece apontar para a existência de duas Romas: uma austera, viril, devotada ao dever – em suma, estóica –; a outra materialista, maledicente, sensual, às vezes debochada, devotada ao prazer.
Essa dicotomia aparece bem representada, algumas décadas mais tarde, numa máxima de Marco Aurélio: «A arte da vida assemelha-se mais à do lutador do que à do dançarino, pois o lutador deve estar sempre pronto e em guarda, mantendo-se firme contra os esforços súbitos e imprevisíveis do seu adversário».
Com o adversário sempre à espreita, não se podia baixar a guarda…
Mas havia quem tivesse outra maneira de ver as coisas.
«Gozemos a vida, Lésbia, fazendo amor, / desprezando o falatório dos velhos puritanos», exortava Catulo, um dos representantes da fação ‘sensualista’. «Beija-me mil vezes, outras cem»…
Mais explícito ainda era Marcial, um poeta satírico nascido na atual Espanha e viveu no século I da nossa era, autor de algumas linhas que não me atrevo a reproduzir, não vá ferir susceptibilidades.
Ele próprio dizia que, para darem prazer ao leitor, os seus poemas tinham de usar linguagem obscena. Por outras palavras:não podiam ser castrados. «Como escrever lascivo canto nupcial / sem usar lascivos termos nupciais?», questionava. Os seus divertidos epigramas tanto podiam versar sobre os hábitos de sodomia de um certo personagem como sobre a depilação das zonas íntimas…
A estas manifestações de deboche, Marco Aurélio contrapôs o poder inabalável da vontade do indivíduo: «Lembra-te de que quando a mente se recolhe em si e encontra lá a tranquilidade, torna-se invulnerável. Não age contra a sua vontade, ainda que tal resistência seja irracional ou uma decisão deliberada e baseada na lógica… A mente sem paixões é uma fortaleza. Não existe nenhum lugar mais seguro. Assim que encontramos lá refúgio, estamos em segurança para sempre. Não perceber isto é ignorância; mas sabê-lo e não procurar este refúgio é uma infelicidade».
Uns falavam em gozar a vida. Outros exaltavam, pelo contrário, a firmeza de uma mente sem paixões nem desejos. Uns libertinos, os outros severos, representam as duas faces da mesma moeda: o denário romano.
As duas faces de Roma
A literatura parece apontar para a existência de duas Romas: uma austera, viril, devotada ao dever – em suma, estóica –; a outra materialista, licenciosa, às vezes debochada