Batalhas escatológicas

Sempre desconfiei dos desconfiados, porque, conhecendo-se a si próprios, temem que os outros sejam iguais.

A última história que invade o espaço mediático é bastante simples. Parece que a mulher e os filhos de Luís Montenegro detêm uma empresa de consultoria que, de acordo com o seu objeto social, pode hipoteticamente desenvolver atividades imobiliárias. A sociedade é explorada pelo filho mais velho, cuja especialidade é a consultoria em matéria de proteção de dados.

Com a nova lei dos solos, há terrenos rústicos que podem ser utilizados para construir habitação. E, claro, essa prerrogativa beneficia, em tese, qualquer pessoa ou empresa com propriedades ou interesses imobiliários, como a sociedade da família de Montenegro. Foi isso que levou a comunicação social a questionar se há um conflito de interesses do primeiro-ministro, tendo este esclarecido o assunto de forma clara e transparente.

Os jornalistas fazem a sua obrigação: investigar e questionar. Aos eleitos compete, por seu turno, esclarecer dúvidas, enquanto aos cidadãos compete não tomar a nuvem por Juno. Estaria tudo bem, se não se desse o caso de vivermos um tempo de autofagia entre os políticos, em que prolifera a escabrosa indústria da pseudotransparência.

Eu não sei se o leitor já percebeu no que nos estamos a meter. No limite, e pelo mesmo princípio, como tem dois filhos jovens, Montenegro não poderia aprovar um orçamento com o IRS Jovem, que beneficia objetivamente os seus descendentes.

Estamos a viver na total histeria. Os decisores políticos não são eremitas: têm cônjuges, filhos, pais ou irmãos que não se podem dissociar do familiar que assume o cargo público, nem podem ser inibidos de desenvolver uma qualquer atividade económica por essa relação de parentesco.

E a culpa não é do Chega, que apenas se aproveita do clima instalado em situação de vantagem por não ter, por ora, presença expressiva no poder executivo do país. Sim, Ventura não perde pela demora, como já se percebeu…

O que me interessa, contudo, é entender o papel de um senhor que faz pela sua vidinha a vilipendiar os políticos. Chama-se João Paulo Batalha, é dirigente da associação Transparência Internacional Portugal e ascendeu a grande guru da suspeita. A propósito deste último caso, escreveu a seguinte pérola: «Do ponto de vista de riscos de integridade e confiança, uma consultora de largo espetro é mais problemática do que uma imobiliária. Quem queria agradar ao primeiro-ministro contrata uma ‘consultoria’ choruda à empresa da família, com poucos ou nenhuns registos».

Sempre desconfiei dos desconfiados, porque, conhecendo-se a si próprios, temem que os outros sejam iguais. Mas percebo que dá jeito às audiências das televisões trazer a público alguém desta estirpe, com as suas batalhas escatológicas. Espero, ainda assim, que um dia destes algum jornalista se lembre de lhe perguntar coisas relevantes.

Consultando o site da sua associação, pode-se ler que fiscaliza «a atividade dos decisores políticos e das instituições públicas, colaborando com outras organizações não-governamentais e dos setores público e privado, com quem desenvolvemos projetos de capacitação, campanhas de sensibilização e advocacy, monitorização cívica, investigação aplicada e ações de formação». Ou seja, tem um negócio de venda de serviços, porque «Pensada para o Setor Público, a nova oferta formativa da TI Portugal centra-se agora no Regime Geral de Prevenção da Corrupção (RGPC) e Regime Geral de Proteção de Denunciantes de Infrações (RGPDI). São elegíveis todas as entidades públicas que se mostrem empenhadas em alavancar a sua estrutura de transparência e integridade». 

Levantar suspeitas de forma avulsa é feio, senhor Batalha. É pior quando é feito com interesse ou de forma discriminatória. E por isso convido o próximo jornalista que o convoque para uma das suas arengas a perguntar-lhe se quem contrata os serviços da sua associação fica livre das suas insinuações.