A nova Administração Trump tem tentado, rapidamente e em força, atingir um acordo para a questão ucraniana. Para tal, conseguiu abandonar à sua sorte os aliados europeus, desfazendo-se em elogios ao Presidente russo.
Numa das suas últimas publicações, o Presidente norte-americano empurrou o Presidente ucraniano para ‘debaixo de um comboio’, acusando-o de ser um ditador e considerando-o, juntamente com o seu antecessor Joe Biden, responsáveis por uma guerra que matou e continua a matar muitos ucranianos. Isto é, aderiu às teses russas que consideraram a Ucrânia, e o seu exercício de soberania sobre as suas relações internacionais (leia-se adesão à NATO), como uma provocação que conduziu à invasão russa.
Se a tese estiver correta, o mesmo princípio é válido, no mínimo, para os antigos estados soviéticos do Báltico: Estónia, Letónia e Lituânia (já membros da NATO); e, para a Moldávia (ex-território soviético, mas não membro da NATO). No limite, também para a Polónia, Chéquia, Eslováquia, Hungria, Roménia, Bulgária e leste da Alemanha, todos pertencentes ao pacto de Varsóvia, leia-se esfera de influência soviética/russa, e resultantes da mesma redefinição do status quo europeu.
Não acredito que esta seja uma nova ordem internacional, mas é, seguramente, a morte do equilíbrio de segurança europeu do pós-guerra fria. Não se entende, pois, como pode a paz na Ucrânia ser uma paz duradoura, será talvez um apaziguamento da Rússia, procurando que que esta se satisfaça com o atual sacrificado.
Churchill qualificava o apaziguador como ‘alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último a ser devorado’.
Já houve quem dissesse que isto significava a morte da NATO. Os norte-americanos dizem que não, mas percebe-se claramente uma contradição: a Rússia abocanha parte da Ucrânia, permitindo que esta adira à União Europeia, mas não à NATO. Isto é, o problema russo não é a UE, é a NATO. Por que razão? Porque a NATO é a presença norte-americana na sua esfera de influência, isto é, ao EUA são o problema. Regressamos ao papel do apaziguador dentro de momentos.
A atual administração dos EUA procura, na questão estratégica do século XXI, aproximar a Rússia da sua posição, tentando afastá-la da potência em ascensão: China. Todavia, isto parece ignorar quer a contradição anterior, eles são o problema na Europa, quer o facto dos BRICS quererem alterar as regras do sistema internacional pós II Guerra Mundial, concretamente as instituições de Bretton Woods (Banco Mundial e FMI) e a prevalência do dólar como moeda do sistema.
Se parece evidente o desprezo de Trump pelas instituições multilaterais que os EUA criaram, não se sabe se olhará com os mesmos olhos para a questão do dólar. Quando perderem a capacidade de imprimir moeda para evitar enfrentar os problemas estruturais da sua economia, os EUA poderão sofrer na sua própria carne o dilema do apaziguador.
Para lá destes riscos e contradições, está o facto de esta ser uma política externa de fação, sem consenso interno. A política externa é, por natureza, uma questão de Estado, devendo existir um mínimo de consenso sobre a mesma, sob pena de não existir continuidade, eficácia e fiabilidade. Neste quadro, os EUA aparentam ser um aliado pouco fiável.
Desprezar ou abandonar aliados pode ser, a prazo, um ‘bombom’ na tal guerra estratégica do século. Note-se que, de Beijing, pouco mais tem havido do que silêncio. Afinal, ‘não interrompas um inimigo quando este está a cometer um erro’.
Bombons para Beijing
Se parece evidente o desprezo de Trump pelas instituições multilaterais que os EUA criaram, não se sabe se olhará com os mesmos olhos para a questão do dólar.