Ir ao cinema já não é um programa, o programa é comer coisas enquanto está um filme a passar. Há quem almoce ou jante por lá: levam sumos, hambúrgueres, gomas, chocolates e, claro, as pipocas. O filme em si, aquilo para que serve a sala, é um pormenor. Não há convites para ir ao cinema, mas para ir jantar ao cinema. E quanto mais comercial o filme, muito pior é o impacto. É quase como ir a um hipermercado num domingo à tarde. Mas o problema não são só as pipocas em si, as bebidas e o suspense que provoca o equilíbrio que as ditas pessoas fazem enquanto seguram as pipocas e procuram o lugar, o problema, dizia eu, e que ameaça a coesão social, são também os telemóveis e o barulho. Por mais alto que esteja o som do filme, este raramente consegue abafar o barulho do triturar das pipocas ou o som da sofreguidão que os comensais fazem a beber os sumos em copos de plástico. As pessoas também conversam como se estivessem em casa, tiram selfies, riem-se por nada, atendem os telemóveis e abrem as aplicações todas do telemóvel o que provoca um sobressalto semelhante ao do fogo de artifício.
Esta tragédia não acontece apenas nos filmes infantis, nestes as salas de cinema são transformadas em salas de brincar nas quais, por acaso, está a passar um filme qualquer, já que os pais aproveitam para descansar e fazer scroll no telemóvel e os filhos para gritarem, brincarem e, claro, comerem coisas. A tragédia acontece em todos os filmes em inglês ou dobrados e lá está, quanto mais populares, pior. Sei de pessoas que compram três bilhetes para garantirem que ninguém se senta ao seu lado. Mas acho que nem assim. Para garantir o sossego numa sala de cinema só comprando todos os lugares dos lados, da frente e de trás.
Fui ver o novo filme do Rei Leão: versão original, ao final do dia, num dia de semana. Genuinamente convicta de que a sala estaria às moscas, que teria sossego e que assistiria ao filme em silêncio. A um minuto do início da sessão entram dezenas de miúdos de 13/14 anos acompanhados por três monitores ou professores com um ar arrasado, desgraçado e destroçado. O que se passou a seguir é previsível: foi como assistir a um filme numa estação de metro. 45 minutos depois do início, as crianças perderam a paciência – ou o Wi-Fi – e começou a romaria à casa de banho. Foram quase todos, dois a dois, num exercício penoso que durou até ao final do filme.
A razão que, no entender, está na origem de toda esta agitação que invadiu as salas de cinema de todo o mundo (ocidental) são as dificuldades de concentração. Já são poucas as pessoas que aguentam ficar mais de meia hora a olhar para o mesmo sítio sem verem o telemóvel. Quanto mais duas horas numa sala às escuras em que não podem pôr o filme para a frente, pará-lo para irem à casa banho ou comer. Isto, nos adultos, nas crianças é uma verdadeira calamidade. Os filmes não têm uma história porque ninguém a segue, apenas momentos bizarros. Um filme é para se ver a meias com o telemóvel sem se perder o encadeamento da história que não existe. E assim vai desaparecendo mais um instituição centenária: o cinema, morto por pipocas, telemóveis e algum défice de atenção.
Ver ou comer num filme
Não há convites para ir ao cinema, mas para ir jantar ao cinema. E quanto mais comercial o filme, muito pior é o impacto. É quase como ir a um hipermercado num domingo à tarde