Não! Não é do discurso de J.D. Vance que quero falar. Existem ameaças internas que, mais do que as, verdadeiras ou imaginárias, atiradas por Vance na cara dos plácidos eurocratas reunidos em Munique, enfraquecem a capacidade da Europa alcançar autonomia e músculo estratégicos e a impedem, por isso, de fazer mais do que proferir declarações pias e quantas vezes piegas. Falo da debilidade económica europeia relativa aos EUA. Debilidade que é em grande parte autoinfligida, fruto de decisões precipitadas ao sabor de modas sobre a energia (que levou ao fecho do nuclear na Alemanha e ameaça a indústria automóvel europeia), da falta de capacidade para completar o projeto europeu ou, do enviesamento burocrático para a sobre regulação.
Depois de um impressionante período de convergência que durou meio século, em que as suas economias mais avançadas alcançaram níveis de produtividade equivalentes aos dos Estados Unidos, no final da do século a Europa começou a ficar para trás. Hoje, a disparidade de rendimento per capita em relação aos Estados Unidos é muito superior a 20% para muitas economias europeias avançadas e é ainda maior para as outras.
Há menos de um ano Mario Draghi reconheceu o problema, fez o diagnóstico e apresentou pistas para resolver a malaise europeia: menos regulamentação económica e uma maior coordenação de estratégias e políticas em áreas como a I&D, infraestruturas de transporte e elétricas, comércio e investimento externos, desenvolvimento industrial e ambiente, alimentadas por um aumento do investimento produtivo de 22 para 27 % do PIB da EU.
Um estudo recente do FMI (Europe’s Declining Productivity Growth: Diagnoses and Remedies, November 2024) apresenta uma perspetiva complementar. De acordo com ele, as origens do problema da produtividade na Europa está nas suas empresas. Por um lado, as grandes empresas líderes da Europa estão atrasadas em termos de produtividade e inovação. Por outro, as start-up europeias têm uma presença mais pequena na economia e muito poucas chegam ao topo. Finalmente, graças a uma fraca dinâmica de falências, existe um excesso de pequenas empresas maduras de baixo crescimento. Uma das razões para este fraco desempenho relativo das empresas europeias é, não obstante os progressos registados na construção do mercado único, é a excessiva segmentação interna dos mercados por fronteiras nacionais que ainda subsiste. Por exemplo, a intensidade do comércio entre os países da UE é inferior a metade do nível de comércio entre os estados dos EUA. A dimensão limitada do mercado impede a inovação e o crescimento das empresas mais produtivas da Europa sobretudo nas áreas tecnológicas. O estudo refere estimativas segundo as quais as barreiras ao comércio ainda restantes podem equivaler a tarifas ad-valorem de 45% para o setor industrial e de 110% para os serviços. A história da convergência europeia no século passado atesta bem os benefícios de produtividade decorrentes de uma maior integração e de acesso a mercados de maior dimensão. Completar e aprofundar o mercado único de bens serviços e capitais – abrindo setores protegidos, prosseguindo uma maior liberalização do comércio de serviços, harmonizando regulamentações e avançando na união dos mercados de capitais da EU – parece, pois, essencial para retomar o processo de convergência com os EUA.
Realisticamente, dado o modo como a União funciona, tenho poucas esperanças que tal venha a acontecer ou que aconteça em tempo útil. Sobretudo agora que trabalhamos em Trump-time.
Professor universitário