O Matuto e o Mau Anfitrião

Aviso à navegação – disclaimer, diriam os Ingleses: Se o estimado leitor enjoa com um certo humor, ou se é marinheiro de águas politicamente correctas, então é melhor desembarcar desta crónica. Há monstros marinhos para além deste ponto!

O Matuto tem uma certa aversão a formalidades. A gentil esposa do Matuto, Dona Sirlei, é especialista em etiqueta. Quem visitar a “Casa das Pontes” terá uma mesa posta, de se lhe tirar o chapéu. Pratos enfeitados com requinte e uma envolvente atmosfera sofisticada. O Matuto é diferente. Exemplo: No outro dia o Matuto recebeu um convite que dizia ter fulano “imenso prazer” em convidar o Matuto para um evento a “tal e tal hora, em tal e tal local”. Este hábito egoísta de marcar dia e hora para ter prazer em receber, desatina o Matuto. E se nesse dia o Matuto está com um calo a doer, ou se o fígado está a incomodar, ou se simplesmente está com vontade de ficar de papo para o ar, num dolce far niente. Num mundo ideal o Matuto deveria ter a ‘ousadia’ de responder: “certo! Mas, acontece que hoje não tenho prazer nenhum em visitá-lo”. Obviamente, já ouço o estimado leitor a reclamar: “isso seria uma desfaçatez”. Que seja!

A verdade é que esta coisa de ser anfitrião tem alguns rudimentos chatos pra caramba. É suposto recebermos os convidados com um “é uma honra tê-lo entre nós”. Ou outras banalidades semelhantes. O Matuto sugere uma recepção mais seca: “venha, venha, invadir a nossa tranquilidade”. Isto deve ser dito, naturalmente, com o ar mais resignado deste mundo, como quem aceita o rebentar duma hemorroida. Aí, o mau anfitrião que se preze, começa logo a lançar umas piadas de mau gosto. Piadas sobre corrupção se estiver um político presente, piadas sobre o uso e abuso do playback se estiver um cantor entre os convivas, piadas sobre a estupidez dos relacionamentos se houver um recém divorciado no grupo, piadas sobre a ignorância dos Americanos (Norte Americanos, no Brasil, por favor) se estiver presente um gringo daquelas latitudes, piadas de louras, piadas de gordos, piadas de gays, piadas de judeus, etc.

Neste ponto das hostilidades, o Matuto sugere uns relatos da vida real. O Matuto sabe de fonte segura que Winston Churchill tinha hábitos mirabolantes. Parece que gostava de receber os seus convidados de roupa interior ou pijama. Imagine-se uma reunião para debater política mundial na presença de um Winston Churchill chupando o seu charuto e equilibrando um whiskey, em cuecas. Num registo similar o Matuto sabe de fonte segura que Benjamin Franklin, tomava ‘banhos de ar’. Ele gostava de ficar no seu quarto em frente à janela, tal como veio ao mundo. E quando chegavam visitas ele não se vestia. Casualmente conversava e aconselhava o visitante sobre diplomacia ou ciência, na sua postura à pai Adão.

Obviamente que depois destas travessuras, o Matuto, iria oferecer uma bebida, para animar as hostes. Aqui a arte dramática é essencial. O mau anfitrião que se preze, é sempre um bom actor. Ele dirige-se ao bar como quem vai oferecer um esplêndido whiskey de 12 anos, ou um Porto Reserva 1888. Aí, com o ar mais natural deste mundo, solta a dúvida: “ora essa! Eu iria jurar que tinha whiskey em casa. E o Porto? Será que a Dona Sirlei bebeu o Porto todo”. Convém sempre deixar a dúvida no ar. Sem acusar diretamente. Isso seria de mau gosto. Aqui os gentis convidados interpõem: “uma água geladinha com este calor até cai bem”. Perfeito!

Agora, é urgente jogar os convidados pela porta fora. Olhares furtivos ao relógio semeiam um certo desconforto. Rapidamente passa-se aos olhares ostensivos ao relógio e a suspiros profundos: “nem tinha percebido como é tarde. Nossa! Como estou cansado”. Se isto não resultar o Matuto aconselha uma abordagem mais feroz: “Sirleizinha, vamos deitar que as visitas querem ir embora”.

E se nada disto resultar, o Matuto, aconselha seguir o exemplo de Vlad III, da Valáquia, a figura histórica por detrás de Drácula. As suas técnicas de mau receber eram lendárias. Vlad convidava os nobres Otomanos para um banquete, para depois prendê-los, ou matá-los ou escravizá-los. Muitas vezes jantava rodeado das suas vítimas empaladas. Um verdadeiro show de terror. O Matuto acredita que isto é definitivo. Entretanto, todos são bem-vindos à “Casa das Pontes”. Recebemos todos com ‘muito prazer’.