Mundo é um grande nome para um jogador de futebol. Para um jogador de futebol e para qualquer um, seja jogador de futebol ou não, já agora. Claro que não cai do céu aos pontapés. Ou seja, o homem chamava-se Edmundo Suárez de Trabanco, nascido em Baracaldo, margem esquerda do rio Nervíon, no País Basco, não longe do centro deBilbau, no dia 22 de janeiro de 1916. E a margem esquerda também faz sentido. Porque Mundo foi daqueles que enfrentou o Caudillo. E para isso era preciso coragem porque quando Franco pegava alguém de ponta, esse alguém podia muito bem ir parar aos campos de concentração de La Isleta, na Grande Canária, ou de Miranda de Ebro, na província de Burgos, erguido em 1937 com ajuda dos nazis alemães. «Claritas aguas del Ebro/rojillas van a Aragón/el llorar de los prisioneros/las tiñen de ese color…». Foi Paul Winzer, também conhecido por Walter Mosig, membro da Gestapo que impingiu a ideia aos falangistas. Paul, um daqueles canalhas homéricos de pai e mãe, seria acolitado por Gonzalo Queipo de Llano y Sierra, um general que o ascoroso Francisco transformou em marquês como se não passasse de um boneco de corda, o obsceno compulsivo que ordenou o fuzilamento de Federico García Lorca.
Mundo jogou por vários clubes da Vascónia até chegar ao Athetic de Bilbao e sair. Um ano apenas, um jogo somente e contra o Barakaldo Club de Fútbol, nem de propósito, no Estádio de Lasesarre, onde dera os primeiros pontapés numa pelota. Depois começou a Guerra Civil. Voltou à bola em 1939, encaixado numa equipa, Recuperación de Levante (o nome diz tudo), que albergava os soldados que tinham combatido pelos republicanos na região do mesmo nome. Num embate amigável promovido pelo Valência, Edmundo entrou pelos olhos dentro com a mesma facilidade com que as bolas por si chutadas entraram pelas balizas valencianas. Foi logo contratado. Deixou de ser recuperado, seja lá isso o que for, não tenho pachorra para fascismos bacocos.
A aventura de Mundo em Valência durou doze temporadas. Mas não teve, que bom para ele, de a viver sozinho. De 1940 a 1946 gozou da companhia de Epifanio Fernández Berridi, também basco, de San Sebastián, três anos mais novo (23 de abril de 1919), que jogava a ponta-direita. E da do valenciano Amadeo Ibáñez, que era como se fosse seu gémeo, pelo menos pela data da vinda à superfície deste planeta redondo e apenas ligeiramente achatado nos polos (22 de fevereiro de 1916), interiordireito sobre o qual alguém escreveu: «Él era delantero, pero con la llegada de Mundo empezó a jugar de interior. Ha estado en todas las posiciones del campo, de hecho tengo una foto de él como portero». Gente para toda a obra. Como Vicente Asensi Albentosa, igualmente valenciano, de Alcudia de Crespins, interior-esquerdo, onde nasceu a 28 de Janeiro de 1919, outro monstro das canchas que foi recuando, primeiro para defesa central e finalmente para guarda-redes. Falta falar de Guillermo Gorostiza Paredes, esse finguelinhas fantástico, mais um basco, de Santurce, registado a 15 de fevereiro de 1909, extremo-esquerdo, o mais velho de todos e por margem folgada, empurrado para o serviço militar na marinha, em El Ferrol, herói do Athletic onde formou a primera delentera histórica do futebol espanhol com Lafuente, Iraragorri, Bata, Chirri II e Unamuno.
Em Valência, este quinteto foi apelidado de Delantera Eléctrica. Em 1940-41 ganhavam a primeira Copa del Rey para o clube. Pela primeira vez na história o Valência era campeão – e logo a seguir outra vez (1941-42 e 1943-44). Toda a cidade os guardou na memória para sempre. O Camp de Mestalla enchia-se de gente entusiasmada e divertida. Mundo sagrou-se nessas duas épocas de glória por duas vezes o melhor marcador do campeonato espanhol. Havia uma alegria pairando no ar como se a Primavera nascesse a cada dia. Os radialistas gritavam alto os seus nomes. Por ordem do lugar em campo de cada um: Epi, Amadeo, Mundo, Asensi e Gorostiza. Como um poema do Romanceiro Gitano.
Na Delantera Eléctrica havia um homem chamado Mundo
Epi, Amadeo, Mundo, Asensi e Gorostiza – nomes recitados como saídos do Romanceiro Gitano