TAP pronta para privatizar mas operação depende do PS

As contas da TAP foram limpas, tornando-a mais atrativa para os três principais interessados. O Nascer do SOL tentou perceber quais são as principais vantagens e entraves de cada empresa para avançar com esta operação. Caderno de encargos será conhecido em breve.

A TAP é para vender, mas até à data ainda não há certezas em relação à posição a alienar. O ministro das Infraestruturas afirmou que o ideal seria vender o total do capital da transportadora aérea, mas também reconheceu que sendo o Governo minoritário estará aberto à discussão de forma a chegar a um «consenso alargado» para evitar que apareça «outro partido a desfazê-la».


De acordo com Miguel Pinto Luz, o objetivo é que a TAP deixe de ser «uma coutada do Estado» e que seja «imune a interesses». A empresa «precisa de independência para que no futuro não sejamos obrigados a fazer injeções de 3,2 mil milhões de euros», referiu no Parlamento.


O processo de venda deverá arrancar em março, mas ainda não há acordo com o PS. E Pedro Nuno Santos tem defendido que o Estado deve manter a maioria do capital da companhia. Também é certo que se a alienação ficar limitada aos 49%, o encaixe financeiro será menor do que numa venda da maioria do capital. Mas, em contrapartida, haverá menos dificuldade em cumprir as regras comunitárias que impedem investidores fora da União Europeia de terem a maioria do capital em companhias aéreas.
Uma preocupação comunitária que não é vista com bons olhos pelo especialista em aviação Sérgio Palma Brito. «A politica de concorrência da Comissão Europeia no que toca às fusões e consolidações das companhias áreas na Europa é errada, estúpida e suicida. Estão muito preocupados com o facto de haver monopólio ou quase monopólio dentro da Europa e esquecem-se que as companhias europeias estão em concorrência com as americanas e que a consolidação é um fator da competitividade. A Comissão Europeia está a cometer um erro histórico», chegou a referir ao nosso jornal.
A verdade é que a TAP tem seguido um rumo positivo. Os últimos dados, referentes a 2024, mostram que transportou 16 milhões de passageiros nesse ano, um número que representa um crescimento de 1,6% face ao ano anterior.


De acordo com os últimos dados divulgados pela empresa, a TAP conta com 7.500 trabalhadores, mais de 90 aeronaves e voa para 80 destinos.

Potenciais interessados vs riscos
Sabendo que estão três interessados em cima da mesa – que até vão ser consultados pela ANA sobre a localização do novo aeroporto – o especialista em aviação Pedro Castro diz ao Nascer do SOL que «se retirarmos a ‘maquilhagem política’ dos governantes que insistem nos não-temas da manutenção do hub de Lisboa (como se a sua existência estivesse ameaçada) e das ligações óbvias ao Brasil, EUA e aos PALOP (que são as que interessam), podemos focar no que é relevante».
E para que o façamos, há várias questões em cima da mesa que precisam de ser respondidas. «Em comum, os três grupos aeronáuticos têm a possibilidade de expandir a penetração da TAP para todo o território nacional. Vão fazê-lo? Qual o projeto de conectividade do país com o mundo?», questiona.


Um dos potencias interessados da TAP é a International Airlines Group (IAG) – holding formada em 2011, como resultado da fusão das companhias aéreas British Airways e Iberia, em que mais tarde juntou-se a Aer Lingus. Conta com mais de 66 mil trabalhadores, detém quase 550 aviões, opera em 268 destinos e transporta mais de 100 milhões de passageiros por ano.
O CEO Jonathan Sullivan já destacou a importância do hub em Lisboa, considerando que se trata de « um ativo central» e, como tal, tem interesse em que seja desenvolvido, defendendo que será benéfico não só para a TAP como também para o grupo IAG.


É certo que este potencial interesse está longe de criar consenso. Aliás, quando a British Airways e a Iberia se juntaram para formar a IAG em 2011 surgiu alguma resistência e preocupação em Espanha. O cenário repetiu-se com a aquisição da Aer Lingus em 2014.
Riscos que também são partilhados no mercado nacional. Ricardo Penarroias chegou a afirmar que a aquisição da TAP por parte do grupo AIG poderá ter riscos acrescidos, uma vez que Madrid está a 600 quilómetros de Lisboa. «Os hubs na teoria e na prática na visão têm de estar pelo menos a 900 kms. Segundo ponto negativo, o aeroporto de Madrid está a um quarto da sua capacidade e logicamente é fácil de transferir o tráfego, pelo menos, de médio curso e algum de longo curso para Madrid de uma maneira muito rápida».


Quem também estará na corrida é o grupo Air France – KLM. Desde maio de 2004, a Air France e a KLM Royal Dutch Airlines tornaram-se o maior grupo aéreo europeu: um grupo, duas companhias aéreas e três negócios. Com a TAP, passariam a ser três. Em conjunto, as duas companhias transportam mais de 77 milhões de passageiros por ano. Operam 548 aviões e permitem que eles viajem para 318 destinos em 118 países.


Em novembro do ano passado, o presidente executivo do grupo aéreo franco-neerlandês, Benjamim Smith, reiterou o interesse que tem na companhia aérea portuguesa: «Temos interesse em seguir esta oportunidade, assumindo que está dentro das nossas ambições estratégicas e que somos capazes de cumprir com o que o Governo português procura», garantiu.


Outra das interessadas na compra da TAP é a alemã Lufthansa que tem uma frota de 668 aviões e opera em 285 destinos de 102 países. O grupo Lufthansa incorpora cinco companhias aéreas: Lufthansa, Swiss, Austrian Airlines, Brussels Airlines e a Eurowings que juntas, em 2023, transportaram mais de 123 milhões de passageiros. Este é um dos maiores grupos de aviação do mundo. Com 96.677 funcionários, o grupo Lufthansa gerou uma receita de 35,4 mil milhões de euros no ano fiscal de 2023.


Em setembro do ano passado, a Deutsche Lufthansa AG dizia estar interessada em comprar 19,9% da TAP Air Portugal, num negócio que poderá estar avaliado em 180 a 200 milhões de euros, avançava a imprensa italiana. Mas pouco mais se falou sobre o interesse da Lufthansa que, apesar de estar confirmado, continua fechado a sete chaves.


Até porque, para já, a empresa alemã fez recentemente uma aquisição: depois de vários anos de negociações, comprou 41% da companhia aérea italiana ITA Airways.


Pedro Castro recorda que o IAG, Air France-KLM e Lufthansa «possuem marcas que utilizam para conectar os seus aeroportos não-hub com voos diretos para diversos destinos internacionais», acrescentando que o IAG conta com a Vueling e a Level, a Air France-KLM com a Transavia, e a Lufthansa com a Eurowings. O especialista em aviação defende que «este modelo de operação contrasta fortemente com a atual realidade da TAP, cujo crescimento no Porto e em Faro é impedido por restrições internas», lembrando que veio recentemente a público um acordo com os pilotos da TAP «que impede a Portugália de se expandir como marca do grupo TAP e nenhuma das partes veio ao Parlamento explicar-se».
E diz que o resultado neste momento «é evidente», recordando que, no ano passado, dos 70 milhões de passageiros transportados em Portugal, apenas 16 milhões voaram na TAP. «A tendência para 2025 e para os próximos é um agravamento maior deste cenário», prevê.

Fracas expectativas
Pouco otimista em relação aos potenciais interessados está Sérgio Palma Brito. «Quem analisar o dossiê verifica que o grupo que mais precisa de comprar a TAP por causa dos voos para o Brasil é a Lufthansa e é o grupo que pode manter o hub dos Estados Unidos de que ninguém fala. Já o IAG pode vir com falinhas mansas, no entanto, tem várias declarações em relatórios e contas a dizer que quer fazer de Madrid um grande hub ao nível de Amesterdão e nesse sentido o que faria ao hub de Lisboa?», questiona, acrescentando ainda que há que somar mais problemas. «Os voos Brasil não são deslocalizáveis porque fazem parte de um acordo entre o Governo português e o brasileiro. E como o IAG tem a Iberia, o hub Estados Unidos ficaria ameaçado porque concorre diretamente com Madrid».
Já Pedro Castro diz que se a principal preocupação do Governo na venda da TAP não for apenas a manutenção do hub de Lisboa, «então algo está errado». No seu entender, este é «o ponto que menos atenção política necessita e aquele que tem menor margem em termos de caderno de encargos», acrescentando que «o verdadeiro ponto é que a aviação moderna é um negócio baseado em sinergias e economias de escala, onde a redução dos custos operacionais é tão ou mais relevante do que a geração de receita. Com tarifas sob pressão e taxas governamentais crescentes, a margem de lucro das companhias aéreas está cada vez mais comprimida».
Para que se possa garantir o futuro da TAP e permitir o seu crescimento enquanto empresa privada, o especialista diz ser preciso concentrarmo-nos em alguns critérios ao avaliar os três concorrentes que estão em cima da mesa.


O primeiro são as sinergias e redução de custos operacionais. «Qual dos grupos proporciona as melhores eficiências na operação da TAP, permitindo uma gestão mais racional e rentável?». Em segundo lugar está a capacidade de investimento na frota. «Qual grupo tem maior disponibilidade financeira para expandir a frota da TAP?», questiona Pedro Castro, adiantando que «a previsão de um novo aeroporto em Lisboa, independentemente da sua necessidade, irá exigir um investimento massivo para manter a competitividade da companhia».


Em terceiro lugar está a disponibilidade para a aquisição tendo em conta que a Air France-KLM e a Lufthansa estão envolvidas numa disputa pela compra da espanhola Air Europa. «Quem ficar com essa aquisição poderá ficar impossibilitado de adquirir a TAP».


Por último está a aprovação da Comissão Europeia. «Qual dos grupos enfrenta menos barreiras regulatórias em Bruxelas num processo que durará, no mínimo, um ano?», alerta Pedro Castro. E finaliza: «A privatização da TAP, para ser bem feita, precisa de ser conduzida com um pragmatismo técnico, livre de discursos populistas e eleitoralistas».