A política portuguesa alcança, a cada ano, um grau assustador de ineficiência face aos problemas verdadeiramente sérios do país. Nas últimas décadas, destacam-se dois grandes momentos: a entrada na União Europeia numa altura que valia a pena, liderada por Mário Soares, e o consulado de Cavaco Silva, em que um governo formado por pessoas de elevada competência nas suas áreas – e não apenas políticos profissionais – conseguiu, com o apoio de avultados fundos europeus, promover mudanças estruturais de facto no país.
O que depois se passou é uma história de falsos sucessos e de uma realidade marcada por sucessivos escândalos e falhanços, iludidos por debates políticos estéreis.
Este pessimismo tem fundamentos sólidos. Basta pensar nos temas mais falados do último ano e confrontá-los com o que mais importa e também foi notícia nos últimos dois meses.
Somos um país com quase seis milhões de casas, ao mesmo tempo, onde é mais difícil adquirir uma – embora, curiosamente, devamos estar entre os que têm mais proprietários de imobiliárias. O preço de uma casa nova é inflacionado por uma tributação típica de um estatismo tipicamente socialista. Os custos das licenças, taxas, preço da escritura, IMT, imposto de selo sobre a compra e a hipoteca elevam o custo final em mais de 30%. Ficamos também a saber que Portugal é o país da OCDE com os maiores níveis de ansiedade, o que é mais do que compreensível.
O relatório sobre mortalidade por acidentes de trabalho em Portugal entre 2019 e 2024 revela que o número ronda as 700 pessoas – sem contar os que ficam incapacitados para sempre. Anualmente registam-se ainda cerca de 500 mortos em acidentes de automóvel, novamente sem mencionar os sobreviventes com sequelas irreversíveis. Não há ativismo significativo sobre estes temas, apenas os sindicatos anacrónicos, ramificações do PS e do PCP, usados para controlar a agitação social.
A 3 de fevereiro deste ano, a Associação de Cuidados Paliativos informou que mais de 70% dos pacientes oncológicos não têm acesso atempado a cuidados paliativos, valor que sobe para 90% no caso das crianças. Sabe-se, ainda, que há procedimentos cirúrgicos inviabilizados porque os elevadores em alguns hospitais não funcionam.
Estes dados ganham contornos ainda mais graves quando consideramos que estamos na Europa Ocidental, somos membros da União Europeia e temos apenas 10 milhões de habitantes. A observação de César Monteiro de que Portugal é «um buraco onde se cai…» – o resto, que deixo à curiosidade do leitor para pesquisar – ganha uma dimensão factual com estas evidências. Ainda assim, há esperança: do facto de ser assim e continuar a ser, não se deve concluir que sempre assim será ou que tenha de ser assim. Precisamos que os melhores em cada área prestem um serviço cívico ao país, mas também que os cidadãos se tornem mais conscientes, participativos e exigentes. É urgente exigir responsabilidade e prestação de contas que não se limitem ao momento do voto – condição necessária, mas insuficiente, para uma democracia plena. Por mais poderosa que seja a manipulação mediática das televisões, que nos faz esquecer os problemas fundamentais e a necessidade de respostas eficazes e com resultados, o cidadão comum é também cúmplice deste estado de coisas.