O Matuto e o Calor

O ar, de tão espesso dá para agarrar às colheradas. O vento é uma miragem, e as brisas meros sonhos de verão. O Matuto toma banho e já sai pingando suor.

O Matuto aprendeu uma palavra nova: “bochorno”. Credo! Que palavra feia. Pois é. Entretanto, esta palavra feia pode ser proferida até diante de senhoras finas porque não irá escandalizar nem suscitar rubores faciais. O Matuto sabe de fonte segura que ‘bochorno’ designa uma “atmosfera abafadiça e insalubre”; ou ainda “calor sufocante”.

A primeira vez que o Matuto ouviu a palavra ‘bochorno’ achou que era uma coisa gorda, adiposa, flácida, balofa, ensebada, pachorrenta, paquidérmica, pastosa, indolente, molengona, obscena ou até pusilânime. O Matuto ficou chocadíssimo. Pensou que a questão era pessoal. Como são as palavras. Elas têm forma, som e cor próprias. Afinal, o Matuto sabe de fonte segura que se pode dizer “que bochorno” como quem diz “está um calor de rachar”. Todavia – pontua o Matuto – no Brasil a expressão vem com um apêndice: “está um calor de rachar a mamona”. A gentil esposa do Matuto, Dona Sirlei, esclarece o que ‘mamona’ é uma pequena planta muito resistente a tempestades, mas que no intenso calor racha. Daí a expressão.

Nestes dias o Matuto tem sentido temperaturas na ordem dos 40 graus. Euclides da Cunha, no seu livro, Os Sertões, escreve a páginas tantas: “…sob o espasmo enervante de um bochorno de 35 graus à sombra”. O Matuto tem existido em ‘espasmos enervantes’. O ar, de tão espesso dá para agarrar às colheradas. O vento é uma miragem, e as brisas meros sonhos de verão. O Matuto toma banho e já sai pingando suor. Será milagre!? As folhas das árvores imóveis, parecem cenário de filme, feitas de arame e papel. Até a passarada não ousa um risco de asa no céu parado. É um mormaço, um bafo, um calorão, enfim… um bochorno!

Debaixo da canícula os ares-condicionados zumbem com vigor desusado. O Matuto observa as senhoras andando pela rua de sombrinha. Os trabalhadores de beira da estrada mourejam na faina da roçada, lenços entalados no pescoço, sulcos de suor no rosto, com o corpo a pedir sombra e sesta. Enquanto isso os adolescentes na geladaria, engolem toneladas de gelado (sorvete, no Brasil, por favor).

O Matuto desde que aprendeu a palavra ‘bochorno’, não quer outra coisa. Expressões como “está um calor de derreter os cornos a um boi”; “calor de torrar os miolos”; “está um calor de assar frangos ao sol”; “este calor é de fazer suar um santo”; ou “de fazer inveja ao Saara”; “que calor de levantar poeira do alcatrão!”; “é um calor de pôr um camelo à sombra” … Tudo desapareceu. Pufff! Plimmm! Tuauuu! Agora o Matuto só diz “que bochorno”! É domingo e está um bochorno danado. Amanhã será segunda e o bochorno irá persistir. O ar abafado, pesado e irrespirável. E o Matuto prostrado, aniquilado, desmoronado, desmantelado, obliterado, arrasado, consternado, abespinhado, e outras tropelias acabadas em “ado”. Terça será Carnaval, com gente bailando no bochorno, e esfregando-se uns nos outros, e aquele aroma azedo das axilas a invadir as narinas. Que bochorno! Um suspiro. Que bochorno! Um desabafo.  

Bom, mas é verdade que independentemente do seu significado útil, ‘bochorno’ é uma palavra feia. Feiíssima! E as derivadas também. Bochornal. Bochornante. Bochornador. Bochornável. Bochornamente. Uff! Chega de bochornices. O Matuto vai descansar o corpanzil quente. Se esta crónica saiu meio pífia, a culpa é do bochorno. Por isso, façam o favor de providenciar uma leve brisa marinha – implora o Matuto.