Depois das eleições alemãs do passado fim de semana, a União Europeia integra, entre os seus 27 membros, apenas três governos socialistas ou social-democratas.
Os ‘resistentes’ são a Espanha, a Dinamarca e Malta.
No entanto o Conselho Europeu, que reúne os chefes de Estado e de Governo, é presidido por um membro da família socialista, escolhido, aliás, quando já era clara a irrelevância da esquerda moderada no respetivo espaço político.
Não sendo o atual titular do Conselho uma figura que possa ser reconhecido como um grande líder europeu, confirma-se a convicção de que as escolhas das lideranças europeias (não apenas a do presidente do Conselho) dependem menos do interesse europeu, e mais das regras de poder estabelecidas entre as três forças partidárias que tem dominado a política da União nos últimos anos.
Num cenário europeu de profunda crise e de desafios complexos sobre o futuro, o resultado das eleições alemãs, acabou por ser um pequeno bálsamo e, de algum modo, faz surgir uma relativa esperança.
Por razões que, como é evidente só se compreenderão bem no contexto doméstico, a liderança social democrata da Alemanha, do último triénio, falhou rotundamente.
Falhou porque foi incapaz de manter o país como a verdadeira locomotiva da economia continental e falhou porque contribuiu para o enfraquecimento do eixo franco-alemão que, goste-se ou não, é determinante para manter a UE como ‘player’ essencial no novo quadro geopolítico mundial.
Claro que as eleições também permitiram, sem muita surpresa, uma subida vertiginosa da extrema direita (AfD) mas, se vigorar, como tudo leva crer, o ‘não é não’ da CDU/CSU alemã e o SPD tiver bom senso para interpretar os verdadeiros desafios do presente, tudo será seguramente reversível no próximo ciclo eleitoral.
Como não se pode ter tudo e porque as asneiras dos anos recentes não se corrigem de um dia para o outro, pode afirmar-se que, no contexto atual da profunda crise, o balanço das eleições alemãs acabou por ser um bom resultado.
O novo chanceler (Merz) é um europeísta convicto, não se curva perante o autocrata Trump, combate o ditador Putin e não hesita no apoio à Ucrânia e na necessidade de ‘construir’ uma política de defesa comum para a Europa. Com ou sem dissuasor nuclear, logo se verá.
Em síntese, o novo líder conservador alemão parece capaz de romper com um velho tabu, estimulando a Europa a reforçar a sua ‘independência’ em relação aos EUA em especial na proteção perante ataques diretos ou indiretos da Federação Russa e na políticas de energia e de defesa comum. Seguramente que saberá da necessidade de flexibilizar as regras da estabilidade financeira e de aumentar o orçamento comunitário.
Estará a Europa à altura deste desafio? Possivelmente sim, mas é necessário que o eixo franco alemão se entenda no essencial e as principais potências (incluindo a ‘externa’ Grã-Bretanha) se associem e colaborem num número crescente de políticas comuns.
Este é, sem dúvida, um tempo de oportunidade, para desenvolver caminhos menos ortodoxos (eliminação da burocracia, rapidez nas decisões, mutualizaçāo da dívida, regras comuns de imigração, reindustrialização do espaço europeu, controlo dos aspetos mais negativos da globalização, União Bancária…) e também de rutura, custe o que custar, com os ‘cavalos de Troia’ que debilitam a União Europeia.
Os tratados europeus consagram suficientes meios e instrumentos e validam, jurídica e politicamente, atuações para atingir esses objetivos.
Os diagnósticos estão feitos-proposta Letta, plano Draghi, bússola Leyen, Next Generation EU – pelo que só falta vontade política, reforço de cooperação e comunhão de propósitos entre os Estados-Membros e, helás, liderança forte e indiscutível.
Como a necessidade aguça o engenho e, no momento presente, a UE e o seu parceiro preferencial, a Grã-Bretanha, vivem em estado de necessidade, a boa liderança acabará por surgir.
O projeto europeu foi, quase desde o seu início, uma verdadeira, generosa e saudável (mas concretizável) UTOPIA.
Se os líderes europeus não forem capazes de interpretar a gravidade do momento presente e de encontrar soluções para o superar, o sonho europeu pode acabar numa verdadeira DISTOPIA… e tudo recuaria várias anos em termos de progresso, solidariedade e paz.
A UE no limiar da distopia?
Merz é um europeísta convicto, não se curva perante o autocrata Trump…