Quando morreu Mário Mesquita, escrevi uma nota simples e verdadeira em que dizia: «o que aprendi sobre jornais e Jornalismo aprendi-o com Mário Mesquita e/ou graças a Mário Mesquita. Foi ele que me ajudou a assumir que o jornalismo seria a minha profissão de futuro e não uma profissão de passagem.»
Agora que parte José António Saraiva, tenho de acrescentar que foi ele – o Zé António, como desde sempre quis que lhe chamasse -, quem me proporcionou a oportunidade de uma segunda vida no jornalismo quando estive muito perto de o abandonar. Saíra há poucos meses do Diário de Notícias, na sequência de um episódio com tanto de traumático como de caricato: no mesmo dia em que fui nomeado e tomei posse como director, demiti-me do cargo ao constatar que fora afastada pelo Governo, ao fim da tarde, a Administração que me havia empossado a meio da manhã (nesse tempo, o DN ainda era uma empresa pública, sendo os gestores nomeados pela respectiva tutela governamental). Ao tomar consciência da trama em que me deixara enredar e de que a minha imagem profissional sofrera com isso, admiti mudar de vida, embora já estivesse a trabalhar na revista Sábado, então dirigida por Joaquim Letria. Foi nessa altura e nestas circunstâncias que me chegou, por Maio de 1989, o convite para o Expresso.
Lembro-me, como se fosse hoje, de ter entrado no gabinete do director, que não conhecia, tão impante de felicidade pelo convite como receoso de não estar à altura. E de me ter surpreendido a simplicidade do trato e a simpatia do acolhimento que me eram concedidos pelo ‘oficiante-mor’ de uma casa a que já então se chamava a catedral portuguesa do jornalismo. A surpresa justificava-se por este motivo: a redacção do Expresso estava ‘em pé de guerra’, na sequência da cisão que deu origem ao Público, e eu fora convidado, não pelo director ou por um seu enviado, mas por alguém que me informou, desde logo, falar em representação do grupo que se lhe opunha. Ora, José António Saraiva sabia perfeitamente, não só de onde eu vinha, mas também quem me tinha trazido. Nem por isso foi menos cordial e atenciosa a recepção que me dispensou, o que revelava, a um tempo, a sua autoconfiança e a capacidade por demais demonstrada de nunca desistir nem se dar por vencido.
Desde esse primeiro encontro até à data do cartão com a sua letra miúda, que tenho agora à minha frente, 31-1-2006, passaram muitos anos de trabalho em conjunto, muitos sucessos jornalísticos que o próprio Zé António não se cansava de enumerar e uma relação de amizade que se estabeleceu e foi consolidando, até esfriar por razões pequenas e ridículas, mas que nos afastaram até ser tarde de mais. Durante mais de duas décadas, Saraiva foi o rosto do Expresso quando o Expresso tinha muitos rostos, diferentes e contraditórios, mas todos promovidos e acarinhados por um director polémico e não raro provocador como colunista, mas que nem por isso deixava de fomentar a diversidade de opiniões, mesmo aquelas que o contrariavam. Tinha ideias fortes e defendia-as até um ponto em que parecia apostar somente na diferença e na originalidade, mas, sob a sua direcção, a liberdade e a tolerância não foram palavras vãs; tornaram-se uma prática e um doutrina que engrandeceram o Expresso e o converteram numa instituição.
Aquele 31-1-2006, por sinal o do seu aniversário, foi o último dia de José António Saraiva no Expresso. Por decisão própria, ia fundar um novo jornal, o Sol, e trazia-me um cartão pessoal de despedida no qual já tinha rasurado a palavra ‘director’. Saía com o orgulho de quem deixava obra feita, mas magoado pela forma como fora tratado na fase final do seu ‘consulado’. Disso me deu conta na hora de seguir para uma aventura para a qual me desafiara, sem que a minha escusa tivesse perturbado minimamente a boa relação que mantínhamos. «Formámos uma grande Direcção», escrevia, «e vivemos tempos que dificilmente voltarão a repetir-se. E que a história da Imprensa portuguesa certamente registará em lugar de honra». Disso estava convencido. Passados quase 20 anos, agradeço-lhe uma vez mais e estou quase a dar-lhe razão.