A última crónica neste jornal teve por título Não é uma despedida. Claro que não, José António, mas há coisas que têm de ser escritas para serem recordadas. Nos 28 anos em que trabalhei nas redações dirigidas por José António Saraiva, testemunhei a sua independência intransigente, a nível externo e interno. Foi essa independência que nos deu liberdade e capacidade de resistência – a mim e a jornalistas como Felícia Cabrita, Graça Rosendo e Luís Rosa – para fazer jornalismo de investigação. Primeiro no Expresso e depois nos anos inesquecíveis do SOL, com ele, o José António Lima, o Vítor Rainho e o Mário Ramires na direção. Resistimos bem. Muito bem.
O JAS conhecia bem os seus jornalistas, sabia do que eram capazes e confiava neles. Claro que fazia perguntas e queria ter a certeza do que nos preparávamos para escrever – é esse o papel de um diretor que lidera equipas. Muitas vezes foi mais audaz do que gostaríamos, acabámos por vezes por lhe dar razão, noutras ele também deu o braço a torcer. Impressionava a serenidade e tranquilidade com que se sentava a nosso lado no banco dos réus dos tribunais, quando enfrentávamos processos judiciais por causa do que tínhamos escrito. Defendeu-nos sempre e nós a ele. Haverá outras, com certeza, mas falo pelo que vivi: as redações lideradas pelo José António Saraiva foram verdadeiramente livres e independentes.
Aprendi muito com o José António e uma delas foi o gosto em formar novos jornalistas. Foi assim que o SOL começou, aliás, com cerca de 20 ‘pintainhos’, como lhes chamávamos.
Lembro-me como se fosse hoje do primeiro encontro com ele, numa das primeiras noites de fecho do Expresso, no corredor do terceiro andar da rua Duque de Palmela: era «o arquiteto», «o diretor», como as suas secretárias lhe chamavam. Inesquecível, quase mágica, era também a atmosfera da sala em que trabalhava e se fechava à sexta-feira com o Mestre Luís Ribeiro a desenhar a primeira página. Era um privilégio ser chamada para explicar melhor a notícia que tínhamos.
Na mesma crónica da semana passada, entre outras memórias, o nosso JAS dizia mais uma vez que nunca se sentiu jornalista, foi como arquiteto que se sentiu um deus, e que um jornalista pode influenciar pessoas, mas não deixa uma marca. Felizmente que a vida lhe trocou as voltas e desmente-o. O jornalismo só pode agradecer-lhe, pois fez obra e deixou marca inesquecíveis.
Em nome dos seus jornalistas, muito obrigada. Isto não é uma despedida.