Bem sei que corro o risco de incomodar o leitor mas, depois de mais um Carnaval em que imperou o bizarro e o ridículo, não resisto a escrever sobre este país sorumbático em que vivemos.
Não vou sequer invocar o Brasil, com o seu tropicalismo, onde as pessoas são alegres e conseguem ser felizes, apesar dos problemas que o país irmão não resolve. Basta ir a Madrid ou a Sevilha, para nos apercebermos de que os nuestros hermanos, pelo menos na aparência, são mais felizes, muito mais alegres e expansivos do que os portugueses. Em Espanha são poucos os que, depois do trabalho e a caminho de casa, não param para fazer qualquer coisa de divertido, para beber um copo com um amigo. Pelas nossas bandas, desertámos os cafés e os clubes, já não há tertúlias, deixámos de conviver. Impressiona-me ver aqueles casais que, se ainda não trocaram o restaurante pela Uber Eats, se sentam à mesa e não se dirigem uma só palavra durante o repasto.
As redes sociais, que poderiam ter ajudado a esbater o problema, porque quebrariam o isolamento, só pioraram as coisas. Ficamos mais sós, enredámo-nos na insídia, e, a coberto de algum anonimato no comentário, participamos ativamente ou com voyeurismo no insulto aos nossos fantasmas.
Vivemos numa sociedade em que é arriscado cumprimentar alguém com um ‘está bom?’ ou ‘como vai isso?’, porque isso suscita quase sempre um queixume e, tantas vezes, uma insuportável ladainha. Aprendi que o truque é dizer ‘viva!’, ainda que nem isso nos salvaguarde sempre da lamúria. Não há remédio fácil e eficiente para qualquer doença quando o enfermo não se quer curar. Estamos acomodados, e há imensos sentimentos que confluem para esta malaise: desde logo, a inveja, que mais não é do que a ambição sem esperança, e a crónica ausência de autoestima. É visível, aliás, que a doença tende a piorar, e já não é só a tristeza, a melancolia e a neurastenia que compõem o nosso fado macambúzio. Há cada vez mais gente indignada por tudo e por nada. E também muito zangada. Veja-se, como exemplo, o nível perigoso de agressividade com que as pessoas se comportam ao volante.
Acomodamo-nos? Ou vale a pena remar contra a maré da infelicidade? E, neste caso, o que podemos fazer? Poderíamos estimular e motivar os mais novos, ajudá-los a encontrar referências, mas isso não se resolve com o sistema de ensino que temos, nem com a fraca educação que a maioria das famílias proporcionam aos seus filhos. O bullying e a hipersexualização de crianças e adolescentes nas redes sociais mostra que a evolução é contrária ao que seria desejável. Os media podiam ajudar mas, subjugados pelo masoquismo das audiências, só nos revelam tragédias e escândalos, ou fornecem concursos de péssimo gosto e novelas enfadonhas.
Miguel Esteves Cardoso escreveu que «os portugueses adoram ter angústias, inseguranças, dúvidas existenciais dilacerantes, porque é isso que funciona na nossa sociedade. As pessoas com problemas são sempre mais interessantes. Nós, os tontos, não temos interesse nenhum porque somos felizes» Pois bem, como acontece a todos, a vida não me poupou a contratempos, angústias e desgostos; só que também me deu e continua a dar muitas alegrias. Prefiro olhar o copo e vê-lo meio cheio a reclamar que está meio vazio. Incluo-me assim com gosto, e em boa companhia, no rol dos tontos, e espero que esta reflexão possa engrossar as fileiras dos que não se resignam. Porque, convenhamos, mais vale ser feliz e sorrir do que chorar e reclamar.