O mundo que deixamos

Primeiro o conhecimento, depois a opinião. Dá trabalho, muito mais trabalho, mas é a única maneira de impedir que os nossos filhos fiquem reféns de algoritmos que não conhecemos e com eles o mundo

O que se ensina não é o que se aprende. Os nossos filhos não estão a ser educados por pais, pela escola ou sequer doutrinados por forças ocultas dominadas por cérebros malignos. Aquilo que eles aprendem está nos algoritmos. É um ciclo vicioso de procura e oferta que tem como objetivo que os olhos não se desviem dos écrans, a adição. É só isto. Qualquer coisa para os manter agarrados: uma receita de bolo de chocolate, um vídeo de cães e gatos, um discurso explosivo de Trump ou uma bizarria criada pela IA de um bicho que nasceu com sete cabeças em Marte. Sendo o scroll infinito, vale tudo. E tudo pode ser verdadeiro. Aliás, a verdade é um pormenor. Neste jogo de sombras, tal e qual a caverna de Platão, a única certeza é a imprevisibilidade. Perante esta realidade, que é paralela ao mundo real e ao mundo da maioria dos adultos, vivemos como trapezistas sem saber qual é a moda de amanhã, qual o tema e quais as tendências, sem objetividade, racionalidade e muito menos lógica.
A tentação, a mais fácil, é descer de nível. É entrar no jogo do algoritmo e tentar conciliar a realidade com o algoritmo. Se não os podes vencer, junta-te a eles, diz o lema. Mas essa opção é como ensinar um bebé a falar, ensinando-o a falar à bebé. Os líderes mundiais e todos os outros aderiram à comunicação direta, através do X ou do TikTok, embrulhando as mensagens em sound bytes que apelam a vários sentimentos e sensações: ao medo, à raiva, ao desprezo ou ao fanatismo. E a adição é o objetivo, o descontrolo é o resultado mais previsível.
É neste mundo que vivemos. O passado, as lições do passado, a História, conta pouco ou nada. Todos têm opiniões sobre tudo apenas fundamentadas pelos push que nos saltam do telemóvel. Sem mais. O espírito crítico, que só existe quando há conhecimento, não é uma variável para as escolhas que se fazem ou para ideias que se defendem. A sensação ocupou o espaço da razão.
Como lidar com isto é uma questão de difícil resposta e a resposta já pode vir tarde. Regular as formas de informação num mundo cibernético e de IA é como tentar ajustar as marés por decreto. Proibir, limitar, condicionar implica sancionar, e num mudo cibernético que é global, mas que a autoridade não o é, torna-se praticamente impossível.
Resta-nos a educação. Como em tudo na educação, cada caso é um caso e cada casa uma casa. No entanto, como todos os pais muito bem sabem, é nas pequenas atitudes e opções que se fazem as grandes transformações, os detalhes são o que mais diferença faz. Num mundo em que o descontrolo da informação levou ao descontrole de tudo o resto, é nossa, dos pais, responsabilidade em recentrar, ensinar, explicar e comunicar. Só assim se criam e educam espíritos livres e críticos. Primeiro o conhecimento, depois a opinião. Dá trabalho, muito mais trabalho, mas é a única maneira de impedir que os nossos filhos sejam reféns de algoritmos que não conhecemos e com eles o mundo. Temos de começar a ensinar aquilo que eles devem aprender e não de querer aprender com eles como funciona o TikTok. O mundo que lhes deixamos depende disso, daquilo que lhes ensinamos e do conhecimento que lhes passamos.