Celeste Dalla Porta. ‘Parthenope’: Uma carta de amor à cidade de Nalópes

Parthenope é a mais recente longa-metragem do emblemático realizador italiano Paolo Sorrentino. É o filme mais visto desde a pandemia da Covid-19, estreou na quinta-feira nos cinemas portugueses e fez nascer a nova musa do cinema italiano Celeste Dalla Porta.

Nápoles e a sua beleza. Nápoles e os seus pecados. Nápoles como um lugar sagrado. Liberdade, amor, sedução e tempo. O passar do tempo… Parthenope parece-nos isso tudo, ao mesmo tempo que espelha mistério, que desconcerta com o seu encanto. «Nápoles é uma cidade que pertence às minhas emoções. Todos os dias, os napolitanos reinventam as suas vidas, decidem que a vida deve surpreendê-los, e eu quero contá-la dessa forma», disse Paolo Sorrentino, citado pela página oficial do Festival de Cannes, onde este filme estreou em 2024.


É, por isso, descrito como uma «carta de amor à cidade italiana» e foi a longa-metragem com a maior receita de bilheteira desde a pandemia de Covid-19, após a sua estreia nos cinemas italianos em outubro de 2024. O último filme daquele que é considerado um dos maiores representantes do cinema de «autor» deste século arrecadou 1,9 milhões de euros no primeiro fim de semana de exibição em quase 530 salas e 3,6 mil cinemas. Há anos que não se assistia a um sucesso como este.


A história acompanha várias décadas da vida da Parthenope, uma mulher nascida no mar de Nápoles em 1950, que procura pela felicidade durante os longos verões da sua juventude. Hipnotizante e inteligente, cativa e apaixona todos por quem passa. É introduzida como uma quase divindade. Estudante de antropologia e, mais tarde, antropóloga deseja a verdade nos encontros que tem, sem manipulações. Seja com o melhor amigo de infância com quem tem um amor platónico, seja com o seu irmão com o qual mantém uma relação quase incestuosa, com um um mafioso com o qual tem uma relação fugaz, ou um bispo…


«Uma epopeia feminina desprovida de heroísmo, mas apaixonada pela liberdade, por Nápoles e pelo amor. Amor verdadeiro, amor indizível ou amor sem amanhã, amor que condena à dor, dor que nos faz recomeçar», lê-se na sinopse do filme. «A vida pode ser hesitante, memorável ou vulgar. A passagem do tempo oferece todo um repertório de sentimentos. E como pano de fundo, perto e longe, essa cidade indelével, Nápoles, que enfeitiça, encanta, grita, ri e até nos pode magoar», acrescenta.

A nova revelação do cinema italiano
Muitos acreditam que grande parte do sucesso da longa-metragem também se deveu à escolha da personagem principal, Celeste Dalla Porta, atriz italiana de 27 anos, que consegue preencher o ecrã com a sua presença. Aliás, segundo algumas críticas, apesar do elenco contar com nomes emblemáticos como Stefania Sandrelli, Gary Oldman, Luisa Ranieri e Beppe Lanzetta, e esta ser a primeira longa-metragem da jovem artista, todos orbitam em torno dela. A atriz esteve em Lisboa e partilhou com a LUZ alguns pormenores sobre este projeto e a forma como está a viver esta nova fase da sua vida.


Formada em cinema, Celeste já tinha entrado numa curta-metragem e duas minisséries de televisão. Conheceu Paolo Sorrentino no set de A Mão de Deus, lançado em 2021. Fez um papel extra numa cena que acabou por ser cortada.


Dois anos depois, foi convidada para este papel. «Recebi o convite com uma grande emoção. Até porque no outro filme, foi mesmo uma coisa muito pequenina. Foi cortado, não entrou. Fiquei mesmo muito emocionada quando, assim como outras jovens atrizes, fui contactada para o casting. O facto dele voltar ao contacto foi mesmo muito especial», conta. Conseguiu o papel depois de várias audições com o realizador. Cada audição era como uma aula de atuação que a permitia mergulhar mais fundo na personagem.
Quando percebeu que seria ela a dar vida a Parthenope, ficou extremamente feliz, mas também assustada. «Em primeiro é uma grande responsabilidade e, em segundo, foi um enorme empurrão para sentir que realmente podia ser um grande momento para mim. Entrar no filme e, principalmente, dar vida a esta personagem», explica.


A sua mãe é fotógrafa, o pai toca contrabaixo, o irmão também é fotógrafo e músico. E, por isso, Celeste Dalla Porta, cresceu com «bastante liberdade». «Não sei se influenciou o meu percurso. Mas foi uma grande sorte! Nasceres e cresceres numa família de artistas, dá-me, claro, uma maior liberdade. O mais importante nisto é o suporte. Essa liberdade, maneira de viver e pensar pode realmente suportar este percurso que depois se vai fazendo. A decisão não nasce por viver numa família de artistas, mas claro que me inspirou a escolher o meu caminho», afirma.

Um trabalho desafiante e profundo
Já acompanhava e admirava o trabalho de Sorrentino há muito tempo. «Gosto muito da forma como trata as personagens, sem julgamentos. Conta a história das personagens e nunca há um juízo de valor sobre elas. É a parte que eu mais admiro no Sorrentino», revela a atriz.


Numa entrevista, após a estreia mundial do filme no último Festival de Cannes, o cineasta partilhou que viu Celeste sair da escola de cinema e que, para além de ser talentosa, parecia muito forte emocionalmente. No entanto, para a artista, a fragilidade emocional foi também muito importante para aprofundar a personagem.


«Essa fragilidade permite estar sempre alerta e tentar expulsar essa força para reagir. Tendo esta personagem uma carga emocional muito forte, deixei-me conduzir. O próprio Sorrentino viu em mim essa força, uma forma de reagir a essa personagem muito complexa», detalha.


Além disso, esta arte permite-lhe combater a sua timidez. «A timidez faz parte de mim. E o que está a acontecer agora, viajar, conhecer pessoas, falar sobre o filme, é um grande passo. É uma grande responsabilidade», frisa a protagonista que também se está a redescobrir neste processo. «Sim, seguramente. Estou a descobrir várias coisas que não conhecia. A solidão, por exemplo, era quase um problema. Descobri que esse trabalho, essa pesquisa e procura interior – mesmo tendo o apoio da família, dos amigos, colegas -, ajuda. A solidão pode ser boa nesse trabalho de redescoberta», garante.

‘A beleza, como a guerra, abre portas’
Segundo a mitologia grega, Partenope era uma sereia que deu nome ao que hoje conhecemos como Nápoles. A sua beleza e melodia levaram à ruína dos marinheiros que passavam por ali, conforme relatado na Odisseia de Homero. Há uma frase muito marcante no filme: «A beleza, como a guerra, abre portas». E Celeste acredita nisso. «É verdade que a beleza te dá grandes vantagens. Agora, pode ser de uma forma muito superficial… Pode não ser de uma forma profunda. Felizmente o conceito de beleza também mudou. Não é mais aquela coisa canónica, com todas as medidas. A beleza está cada vez mais ligada à inteligência, ao ser-se criativo. Todas as pessoas podem ser belas. E isso para mim é muito importante. É muito esperançoso ter essa noção», reflete. «Se falarmos no filme, que se passa nos anos 60/70, a mulher não é vista como inteligente. É importante perceber que existem os dois lados. A beleza abre portas, mas também pode fechá-las», alerta.
Para a preparação da personagem, durante o processo criativo, a atriz italiana viveu uma temporada em Nápoles e leu muito sobre a sua história. Segundo a artista, isso foi essencial para se «encontrar» com Parthenope. «Foi mesmo muito importante ter a sorte de poder viver Nápoles. Foi quase a Parthenope a olhar para a cidade. Isso foi essencial para descobrir o seu caráter. Há nela realmente um magnetismo, essa beleza descarada, um grande mistério», assegura.


Com ela aprendeu a importância de se conhecer e não confiar nos julgamentos dos outros. «Fiquei muito ligada a ela. O filme retrata o seu crescimento e eu vivi-o na pele. Portanto, também o senti muito em mim. Eu acho que nos acompanhámos uma à outra», afirma.


Celeste Dalla Porta inspirou-se na atuação e linguagem corporal de Natalie Portman em Closer. «Tenho uma fotografia de uma cena específica do filme, em que Natalie Portman tem a peruca cor de rosa. Tenho-a na casa de banho, na minha casa em Roma. As personagens são completamente diferentes, claro… Mas há qualquer coisa misteriosa e triste que as une. Eu e o Paolo falámos muito desse olhar selvagem, icónico. Foi principalmente isso que retirei dela», conta.

Sem entrar em campos políticos
Parthenope é uma mulher livre que não se deixa controlar. Uma mulher que vive a sua vida como quer numa época e lugar onde as mulheres raramente o faziam. Quase todos os que cruzam o seu caminho perguntam no que é que pensa quando está em silêncio. Mas a musa não reponde.


No entanto, para a estrela principal do filme, não há nenhuma mensagem política ou feminista na longa-metragem. «Não é um filme que deve dizer aquilo que devemos ou não ser. A mulher deve ser aquilo que ela quiser. Tal como qualquer ser humano. Este filme não tem o objetivo de ensinar nada. Apenas conta uma história. Não queremos ensinar a viver. Não tivemos a ambição de passar uma mensagem política ou feminista. O filme conta simplesmente a história de uma mulher que faz realmente o que lhe apetece sem se preocupar com julgamentos», frisa. «Até porque a minha personagem vem de um lugar de privilégio. Tem uma família rica, teve possibilidades de estudar. Claro que não podia ser uma pessoa assim a dar o exemplo, até porque há mulheres que não possuem esse privilégio», defende.
Por outro lado, de acordo com Celeste «é bom saber que a pessoa pode apanhar essa mensagem de liberdade».


Sobre o facto de algumas críticas falarem da hipersexualização da mulher na produção, a atriz lembra que a história se passa noutra altura. «Muita coisa mudou desde então. O filme representa precisamente a altura em que o homem olhava para uma mulher bonita com esse olhar. O Paolo não representa a mulher enquanto objeto, a altura é que a representava dessa maneira. As coisas estão a mudar, felizmente. Mas eu própria já o senti. Isto não é uma fábula», responde, acrescentando que, no filme, o professor foi a única pessoa que olhava para Parthenope pelo que ela era. «Pelos seus interesses e não com segundas intenções», aponta.


No que toca ao futuro, Celeste prefere não pensar nisso: «Para mim não existe passado nem futuro. Existe aquilo que está a acontecer. Estou muito aberta às possibilidades, mas sem expectativas. As expectativas não são boas. Quero estar presente e viver tudo ao máximo. Aceitar naturalmente o que estará para vir, mas não pensar muito nisso», remata.